segunda-feira, 13 de junho de 2011

CHUÁ, CHUÁ


Só para ilustrar.
Recebi um belíssimo PPs. Do tipo que vale a pena despender um pouco de tempo para contemplar. Foi Rosali (que gostaria muito de conhecer) quem o produziu.  Trata-se de arte e só pode resultar de alma de poeta, aquele ente capaz de captar as profundezas não só da alma, mas de um fato e em prosa, verso ou também em ilustração é capaz de compor, delicia quem vê, comove quem sente, dá paz a quem precisa ter.
O ambiente consta de uma extensão verde sem imperfeições, mediante um solo gramado. No entorno, visão de floresta ainda densa, de encosta de morro que imprime com seu marrom avermelhado um tom de paisagem que a cidade não tem, máxime, aquelas que priorizam o desenvolvimento econômico, àquele que compatibiliza-se com a beleza e a sustentabilidade em harmonia total.
Em algum ponto, uma casinha branca, tinha que ser branca, pequenina, revela presença de pessoas que no contexto não se veem.  Tudo coberto por um céu de azul imenso onde a presença de nuvens apenas compõem o cenário, são transparentes.
O rio que passa por ali permite a projeção em suas águas de tudo que se vê. A cena é dupla e tudo une pelos pés.
Depois de apenas dedilhadas as cordas plangentes de uma viola, do revezar vindo de cada lado do cenário de imagens igualmente lindas como a que foi descrita ouvem-se os sons desse clássico do cancioneiro do Brasil: Chuá, Chuá. E mais que sons de viola, ressoa onomatopaicamente, o som do canto de cachoeira.
E nesse compasso por fim se ouvem as vozes de Bethânia e Joana que se revezam.  Um espetáculo, verdadeiramente inaudível.

Chuá, chuá                                                                                

(Pedro Sá Pereira e Ary Pavão)
Deixa a cidade formosa morena
Linda pequena e volta ao sertão
Beber da água da fonte que canta
E se levanta do meio do chão
Se tu nasceste cabocla cheirosa
Cheirando a rosa, no peito da terra
Volta pra vida serena da roça
Daquela palhoça no alto da serra

E a fonte a cantar, chuá, chuá
E as água a correr, chuê, chuê
Parece que alguém que cheio de mágoa
Deixaste quem há de dizer a saudade
No meio das águas rolando também

A lua branca de luz prateada
Faz a jornada no alto do céu
Como se fosse uma sombra altaneira
Na cachoeira fazendo escarcéu
Quando essa luz na altura distante
Loira ofegante no poente a cair
Dai essa trova que o pinho descerra
Que eu volto pra serra que eu quero partir
Quem sabe por que a formosa morena quis deixar o sertão, deixar de se dessedentar na fonte? Por que preferiu abandonar o cheiro da rosa que nasceu sorvendo, não há sentido em ter feito tal escolha?  Como abandonar a vida serena da roça, daquela palhoça no alto da serra, onde o amor acontecia e tudo era paz e poesia. Palhoça de paredes embarreadas e coberta com folhas de palmeira, onde o chão era de chão mesmo.
Para sua auto consolação o amante acompanha o curso da jornada que a lua branca descreve no céu projetando-se sobre a cachoeira que explode de emoção e a manifesta em escarcéu e faz do seu desejo a hipótese que mais consola: o de que quando a lua ao fim da jornada e já ofegante se projetar no poente ao som do prosa que o pinho interpreta será ouvido o que mais anseia,  a voz da morena que decidiu: volto a serra, eu quero partir.
Medeia as duas estrofes um estribilho tradutor do ânimo de quem se desvela: a fonte continua a cantar, as águas continuam a correr e traduzem o que vai no peito onde um coração cheio de mágoas ali deixado, entrega ao curso das águas a saudade que não pode conter.
Quantas vezes ouvimos e cantamos, quantas vezes nos passou despercebida a mensagem, a beleza dos sentimentos interpretados nessa canção. Foi o que pensei em fazer, escrevendo esta crônica. Compartilho com meu leitor e se ninguém sentir nada é porque ao som plangente de uma viola que eu não toquei já senti tudo. Amém.

13/6/2011 10:15