quarta-feira, 22 de junho de 2011

D. DUNINHA


Ela não tinha água encanada em casa, mas também já superara o tempo de lavar roupa à beira do rio. Pernas dentro dágua, uma prancha de madeira sabiamente colocada um pouco em terra, a outra na água, à passagem de águas límpidas, sem poluição de qualquer sorte, as lavadeiras colocavam peça sobre peça, depois de molhá-las. Passavam sabão na primeira e esfregavam uma por uma. A espuma que desprendia de uma peça, passava para a outra e claro, se revertia em economia.
Roupa toda ensaboada era colocada no “corador”. Geralmente, uma extensão coberta de grama verde. A sabedoria ensinou que primeiro se usava o centro e pouco a pouco até chegar “na beirada”, para não pisar em nenhuma peça.
Ali, haurindo os efeitos do sol, as roupas clareavam de dar gosto ver. Depois de um tempo eram recolhidas para o enxágüe, quando então se dava inversamente, eram apanhadas de fora para dentro. Muitas vezes, ainda estavam quentinhas... e eram habilmente enxaguadas.
No princípio o “floc floc” que era mais intenso, havia mais sabão, sumia e a peça podia ser torcida.
Mas D. Duninha que conheceu esse processo, já lavou roupa à beira de cisterna. Retirava água, mediante acionamento de manivela que trazia o balde cheio enchendo grandes bacias, onde o processo de esfrega se repetia. Passava ao “corador”. Mesmo tempo de espera, até o enxague e estendimento.
Roupa seca, vinha a hora de passar e não era fácil,  mas ninguém reclamava. O ferro de ferro mesmo, era acionado pelas mãos num movimento pendular dos braços, melhor se de encontro ao vento para que ficasse quente a contento.
“Não se assopra ferro perto da roupa, as faíscas podem queimá-las”. Ainda convém uma outra coisa, cuidado ao assoprar o ferro, pode dar tonteira, a pessoa cair e se queimar. 
Foi Deolinda que na manhã de hoje falou-me de D. Duninha, sua avó,  curiosamente, ao mesmo tempo em que me falava, se questiona: “acho que naquele tempo não tinha amaciante” ao que respondo: tinha não, as mãos das lavadeiras eram de tal forma sensíveis aos misteres desempenhados que sem errar sabiam quando o sabão já fora  todo retirado.
A roupa lavada e passada era muito bem dobrada e envolvida numa peça maior, formava uma trouxa. “Minha avó colocava na cabeça para carregá-la até a casa da dona, não caia de jeito nenhum, ela até dançava”.
E aqui fiquei eu pensando numa senhora de pouco mais de cinquenta anos, que pelas circunstâncias, máxime as da época, parecia ter muito mais, que percorria boas distâncias, com uma trouxa na cabeça, em equilíbrio singular e que chegando à portaria do edifício onde seriam entregues, a pedido do porteiro e de quem mais estivesse por ali, não se fazia de rogada, dançava alegremente ritmos baianos, evoluindo de forma incrível, mas muito natural, como aprendera ainda menina lá no sertão onde nasceu.
22/6/2011 15:31

MÃE INDIA

            Ganhei um calendário deste ano, pequeno, desses que vai-se virando as páginas à medida que os meses passam.  Tem sempre uma figura ilustrativa e abaixo, o mês que transcorre.
Cada figura representativa de mulher vai demonstrando a grandeza dessa espécie do gênero humano. Todas muito lindas, mas a que mais me impressionou, tocou, silenciou, fez refletir, foi a que representa uma índia despida, agachada, na coxa esquerda o filho de meses que ela segura; com a outra mão, a direita, segura com carinho um pequeno animal que avidamente lhe suga o peito.
Não há qualquer indicação de quem fotografou ou pintou em tela aquele momento mágico, mas que importa, se o que importa é a certeza de que alguém tendo estampado tal momento o fez com uma índia, não com qualquer mulher branca, ou de outra raça diversa da sua. Só ela por sua natureza de tal gesto é capaz.
Sinto sempre uma grande pena dos índios que se deixaram civilizar, daqueles que se tornaram milionários e como outro empresário qualquer, precisa de viver em casa com muros altos, cachorros bravios soltos circulam em volta, além de também bem alta cerca elétrica, para que ninguém ouse penetrar onde guarda um tesouro.
Cacique Seattle
A perda de identidade desses povos significa perda irreparável para a raça humana, para a vida, para a biodiversidade, para a sustentabilidade. Dificilmente, se encontrará um outro autor que crie um outro Cacique Seatlle que seja suficientemente audaz diante de um Presidente egoísta que lhe quis comprar floresta, terras, espaço a quem respondeu: Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa ser de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso que um bisão, que nós, peles vermelhas matamos apenas para sustentar a nossa própria vida. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem os homens morreriam de solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os homens. Tudo quanto fere a terra, fere também os filhos da terra.        
É essa identidade com a terra o sentir-se parte dela que faz a mãe índia repartir do próprio peito o leite com que alimenta o próprio filho. É a certeza de que      a terra é dom de Deus e os frutos que ela produz são de todos.     
Ao menos tivéssemos colhido os tesouros da identidade índia perdida, a terra não estaria em agonia.

                                                                 (Nova postagem por ter sido cancelado por engano).