sábado, 1 de outubro de 2011

UNIÃO ESTÁVEL E COMUNHÃO DE BENS

1. Fundamento constitucional 2. Identificações com o casamento 3.Regime de bens 4. Caso concreto 5.Conclusão

1. Fundamento constitucional

A Constituição Federal de 1988 ocupou-se da família (Título VIII, cap. VII, da Ordem Social). Estabelece no art. 226: A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. É evidente seu reconhecimento do papel fundamental da família e para facilitar aos que querem constituir uma, prevê gratuidade de sua celebração (§ 1°). Assim decidindo, facilitou aos despossuídos de recursos financeiros não ficarem excluídos da possibilidade de celebrá-lo. E ainda mais, satisfeitas as formalidades de estilo para o reconhecimento dos direitos e deveres que daí decorrem, reconhece efeito civil ao casamento religioso. (§ 2°).
Vai mais longe ao reconhecer a existência de uma realidade indiscutível patente em todas as camadas sociais e inovou com o preceito que se lê no mesmo art. 226:
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. 

        O preceito é de clareza translúcida. Verifica-se que começa com a expressão proteção do estado que finaliza o artigo em que está inserido, (art 226, supra mencionado) menciona os requisitos dos quais a união deve estar revestida, para que seja contemplada com a mesma proteção do Estado:
   a) logicamente, que haja uma união e que os que a formam sejam duas pessoas um homem e uma mulher. União quer dizer comunhão de vidas, interesses comuns no propiciar um ao outro todas as garantias que lhes assegurem tranquilidade, harmonia, fidelidade, confiança, construção de um lar, onde os filhos havidos encontrem ambiente propício ao pleno desenvolvimento e realização a mais profunda como pessoas, como sujeitos; ou, o mesmo que diz o CCB do casamento: art. 1.511 do CCB: O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges;
        b) qualidade fundamental da união é que seja estável mantida no curso dos anos mediante todas as evidências de que houve uma eleição recíproca ou de que cada um tem no outro seu complemento. Não há de ser por momentos furtivos, mesmo que esses momentos somem mais tempo. 
A previdência social já estabelecia, para conceder benefícios a companheiro(a), um período de ao menos cinco anos, tempo que chegou a ser adotado com o advento do reconhecimento da união estável como família;

   c) o fecho do preceito conta com determinação expressa de condição para efeito de reconhecimento sobre a existência ou menos da união estável: devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.  Deve-se entender que os requisitos da união estável são indivisíveis e que faltando ainda que apenas um só, a união estável não se configura. Exatamente como prevê o CCB: Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.
        Fazendo eco com a Constituição Federal, o Código Civil (2002) preceitua:
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Forjado pelas decisões que já emanavam dos tribunais que as impunham, o CCB acrescentou nesse dispositivo como característica, a expressão pública, além de continua e duradoura para reconhecimento da união estável o que se constituiu em grande valia. A família é muito importante não se tolerando ser relegada a sótãos ou a porões, muito menos, um instituto destinado a prevenir preconceitos poderia estar à disposição de amantes clandestinos.

2. Identificações com o casamento
   O casamento, como o negócio jurídico, (art. 104 do CCB) requer que os pretendentes sejam capazes de assumir as obrigações que daí decorrem; tem forma e rito, estabelecidos em lei.[1]  Ocorrido qualquer vício é passível de ser anulado.
   A partir do seu art. 1548, o Código Civil Brasileiro trata da invalidade do casamento. Prevê também as hipóteses de absoluto impedimento à respectiva celebração, que, como exigência de Estado, logicamente, se estendem à união estável. É o caso do art. 1.521. Não podem casar: ... VI - as pessoas casadas. [2]
Portanto, se um dos cônjuges deixa de conviver com aquela pessoa com quem se casou e sem divorciar-se passa a conviver com terceira pessoa, jamais se poderá falar que essa convivência é uma união estável. Não é o que estabelece o CCB, ainda que assim a autora pense. Exatamente ai, § 1°, fine, do art. 1723, excetuou a possibilidade de reconhecimento da UE: ...não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato... Admite-se que cada caso tem sua peculiaridade, devendo ser examinado no momento que a necessidade se configurar.
Aliás, nesse Código foi reconhecida a margem que é deixada ao bom discernimento do Juiz no momento de decidir.
Por analogia e pelo andar das decisões que emanam dos tribunais, a regra também é válida para quem procedeu a contrato ou escritura de reconhecimento de união estável e sem proceder ao distrato respectivo, passar a conviver com uma outra.
Reconhecer na união estável o que é vedado para o casamento seria verdadeiro deboche da Constituição e favorecimento à multiplicação de uniões à margem da faculdade que o legislador constituinte disponibilizou.

3. Regime de bens
   O casamento pela sua natureza concede aos que se casam faculdades tais ou de entrega recíproca, ao ponto de se constituir em invalidade seu descumprimento. Uma vez proferida a declaração de que se transformaram em marido e mulher, o que tiver sido previamente pactuado vai valer para sempre ou até que, eventualmente, decidam por qualquer alteração.  
Daí, o casamento ser precedido do cumprimento de formalidade fundamental, como escolha do regime de bens a ser adotado, inteligência do art. 1.639 - É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver. Note-se bem, antes do casamento.
O Código Civil Brasileiro que recepcionou regras precedentes contidas em legislação esparsa, em termo de família/casamento também prevê: Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.
O mesmo CCB também estabelece que os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar se excluem da comunhão (inc. I Art. 1.659).
Logo, a equiparação ao casamento de uma real união estável, não há de assegurar direitos ao sobrevivente no caso de morte ou em caso de “separação” a qualquer dos dois, que mesmo no casamento inexistam.
4. Caso concreto
        Romeu, com mais de sessenta anos, ainda na condição de casado, passa a conviver com Julieta, só depois de mesmo alguns anos, requer o divórcio e respectiva partilha de bens.
        1º Qualquer eventual direito, máxime de caráter patrimonial, que possa vir a ser arguido no caso de termo de qualquer convivência, terá início a partir da data do trânsito em julgado da decisão que extinguiu o casamento dele;[3] ou pela faculdade de reconhecimento da união estável, apenas com a separação de fato, já comentado, mas ainda milita contra quem pretender eventual direito a bens a incomunicabilidade dos mesmos, posto que, preexistentes.
   2° Qualquer direito na mesma hipótese, só incidirá sobre os bens amealhados pelo esforço comum, tal qual a regra da comunhão parcial de bens, única que se aplica à espécie, ou conforme dispõe o art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens. (CCB).
   3° Prevalece in totum para reconhecimento de união estável, a regra do CCB,
Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;
II - da pessoa maior de sessenta anos.
Cartórios vêm procedendo a contratos nulos de união estável, tenho cópia de um. A isto se chama crime doloso que o Código Penal tipifica no art. 171, punido com reclusão de um a cinco anos.
5.Conclusão
A Constituição Federal assegura a proteção do Estado à união estável entre pessoas que prescindem da presença de um ministro religioso ou oficial de registro para selar a comunhão de suas vidas, mas não contempla tal união com direitos que sejam vedados aos que se casam.
Portanto, o que vem disposto no Código Civil Brasileiro, que contém muito mais do que aqui se citou, se constitui em parâmetro para o discernimento de todas as dúvidas suscitadas ante a hipótese de existência ou não de uma união estável, consequentemente, da proteção do Estado com os benefícios decorrentes.
Por fim, considerando peculiaridades reais e inafastáveis, a margem de aplicação do direito fica por conta do preceituado no art. 5° da Lei de Introdução ao Código Civil.





[1] Art. 1.517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil. Parágrafo único. Se houver divergência entre os pais, aplica-se o disposto no parágrafo único do art. 1.631.
[2] CCB: Art. 1.521. Não podem casar: I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II - os afins em linha reta; III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V - o adotado com o filho do adotante;VI - as pessoas casadas; VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

[3] Art. 1.523. Não devem casar: III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal; (CCB).