quinta-feira, 28 de junho de 2012

CANTEMOS HINOS



Há pouco conversava com Adriana que me falou do amor inato de seu filho pela pátria. Está bem adiantado no colégio, foi aconselhado pelos professores a estudar Direito porque quer ser diplomata para que, onde estiver, esteja trabalhando pela grandeza do seu país.
Vitor tem 17 anos e estuda em colégio que conta com um número de pessoas a afirmarem que é o melhor da Ilha, mas eis que o menino descobriu perplexo que ainda não sabia cantar o Hino Nacional Brasileiro o que o levou a pesquisar na internet e cantar junto para aprender. Vi seu quarto onde uma pequena bandeira tremula sobre a mesa de estudos. O ambiente conta com uma bandeira do Brasil num tapete, pelo seu aniversário os colegas o presentearam com quê? uma Bandeira do Brasil. E já manifestou a sua mãe o desejo de ter na parede de seu quarto uma decoração que ao menos lembre a mesma Bandeira do Brasil.
Indiferente aos que dizem que a linguagem sabe à antiguidade, vou dizendo por aqui: no meu tempo de escolar, todos os dias cantávamos um hino antes de ingressar nas  salas de aula. Saudávamos com a mão direita sobre o peito esquerdo, do lado do coração, “o lindo pendão da esperança, o símbolo augusto da paz” que “nos traz a lembrança da pátria”. Lembro-me do hino às arvores que exalta o verde e ev a primavera “festiva e garrida”; do Cisne Branco que “em noite lua vai navegando de norte e sul, qual linda garça, singrando os mares, os verdes mares, os mares verdes do Brasil; claro, do Hino Nacional Brasileiro reservado para as quintas-feiras, enquanto a Bandeira ia subindo pouco a pouco para no final atingir o ponto mais alto do mastro onde depois de fixada, permaneceria pelo resto do tempo na sua missão de lembrar e fazer amar a terra em que nascemos da qual disse o poeta à criança: “não verás nenhum país como este, imita na grandeza a terra em que nasceste”.
Ouso divergir que são coisas da evolução dos tempos, da modernidade e protesto contra quem ao invés de depor na alma humana sementes de amor pela Pátria, enquanto ela é mais receptiva, muito mais passível de absorver o amor pelo seu torrão natal,  valoriza intercâmbios em outros países, “são mais desenvolvidos, mais civilizados”  afirmam,  e lá se vai o adolescente viver uma realidade que não é a sua, para quando voltar querer mudar sua casa e sua realidade social, mesmo que seja sozinho, desconhecendo que só juntos somos mais.
E viva Vitor, que dá aos colegas lição de amor pela pátria, quem sabe contamine-os e em breve estejam repetindo com o soldado brasileiro, aquele que escolhe entre viver numa “Pátria livre ou morrer pelo Brasil,” e ressoarão de novo nos ouvidos de todos o hino do soldado brasileiro: “nós somos da Pátria amada, fiéis soldados por ela amados;” pois “a  paz queremos com fervor” já que “a guerra só nos causa dor” e,  “se a Pátria amada for um dia ultrajada, lutaremos com valor”.
Inventaram-se novos métodos, focalizaram-se outros objetivos para a educação, olvidaram-se os bons e antigos princípios, a educação não melhorou porque a melhora em si é inexpressiva se não se reflete no todo. Uma das mais gritantes provas se traduz pela violência que campeia.
Se nem tudo tinham os antigos, nem tudo temos os modernos, com a conservação dos valores passados, harmonizados com valores do presente, certamente, serão melhores quaisquer resultados.
Para começar, voltemos a cantar hinos!

Marlusse Pestana Daher
26/6/2012 06:55:17

segunda-feira, 25 de junho de 2012

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA


Depois de seis anos da edição da lei que "previne" a violência doméstica, os números desmentem sua eficácia e atesta que o alarde promovido apenas comprova que não é o barulho que faz bem. Modestamente, reitero o equívoco do legislador na interpretação do § 8º, art. 226 da Constituição ao pensar que com aquela lei estaria criando mecanismos e coibindo a violência no âmbito das relações familiares.

Violência não tem recorte de gênero, mesmo que exercida predominantemente por quem tem mais força e necessita expor sua fragilidade: "você tem que me servir quando eu quero, senão te prendo e não vai mais nem à Igreja" (assistam a Gabriela). Não é só resultado de bebedeira, de cultura, ou congêneres. Violência nasce, cresce e prolifera no espírito deformado por causas.

Jens Hoffmann, psicólogo alemão, da Universidade Técnica de Darmstadt, especialista em casos de adolescentes que cometeram massacres em escolas, desenvolveu um software para a identificação preventiva de jovens com tendências homicidas e teria encontrado 32 fatores típicos de risco.

Esforço-me para entender, fui assaltada pelo temor de estarmos voltando, mediante equipagem moderna, à adoção de vetusta tese lombrosiana, mas subscrevo sua afirmação em entrevista à revista "Reader’s Digest; “um crime tão grave é sempre o final de um longo caminho que começa com humilhações, rupturas sociais e experiências de perda. Com frequência, ainda ocorrem conflitos no colégio”.

Convivemos numa sociedade de diferenças flagrantes, de desatenção para com os pequenos seres de qualquer espécie, de descaso para com necessidades humanas vitais, fazemos de conta que não vemos o olhar triste de muitas crianças, o choro que brota forte de sensibilidades feridas, o clamor pela ausência daquele cuidado que tem o condão de aconchegar mais que corpos, almas em busca de atenção, porque falta ética.

Vacilamos na tomada de decisões definitivas por políticas públicas que valham, que cumpram suas finalidades, sobretudo, que saiam do papel. Ao invés, fazemos de conta que estamos combatendo a violência doméstica, apenas uma entre as tantas manifestações de violência que existem.

Não precisamos de mais leis, precisamos de advogados que mediante pedidos bem fundamentados façam estremecer os tribunais, precisamos de juízes que decidam mediante as fontes de todos os gêneros já existentes e respondam ao apelo dos seus jurisdicionados com brevidade e eficiência. Violência é erva daninha que se espalha: “acabe-se com a violência que a violência doméstica acabará”. (Diana Morán).
Em A GAZETA do dia 18-06-2012



segunda-feira, 18 de junho de 2012

DESPERDÍCIO DE FORÇAS



O dia está claro e estou transitando pelas ruas da cidade, atenta em meio de um trânsito caótico. É necessária toda atenção para não bater em ninguém e evitar que o outro bata em você, isto é, no carro. Paro em obediência à lâmpada do semáforo que ficou vermelha e logo se aproxima da janela do meu veículo um rapaz alto, traja-se com dignidade, sua roupa está limpa, o cabelo bem cortado, ainda é muito jovem.
Com diligência e visivelmente colocando todo empenho no que faz, com a agilidade que suas forças lhe permitem com vantagem, entrega panfletos. E logo me apercebo da presença de um outro, ambos se ocupam do mesmo trabalho.
O sinal permite agora que eu avance, mas já não vou só, levo comigo a imagem daqueles dois homens, duas pessoas, dois filhos de um país altaneiro, dois brasileiros cheios de direitos que não têm como alcançar.
Digo-me que é um desperdício de forças. Eles poderiam estar ocupados em empresas que requerem as qualidades da qual são dotadas e que lhes podem permitir melhor ganho. Não encontram essa mina, as circunstâncias que os rodeiam militam de forma inacessível aos seus esforços, resta-lhes entregar panfletos para receber muito pouco em recompensa, é um serviço ocasional, nem exige maiores esforços. Não supre as necessidades de suas vidas.
São evidências de que não obstante o país vá crescendo, as desigualdades ainda são gritantes. Mas eles estavam trabalhando. Outros preferem enveredar por caminhos menos dignos e tortuosos, em pouco tempo o ganho fácil através do tráfico, o mais provável nos dias que correm e o próprio vício, arrebatarão suas vidas e embora vivos perderão a própria liberdade, porque a fidelização naquelas paragens tem preço de vida ou morte.
Pelo restante do meu dia, a lembrança daqueles dois rapazes ocupou parte do meu pensamento. Hoje, talvez mais de seis meses depois a miragem deles ainda ocupa minha lembrança, até porque já me deparei com outros em igual circunstância, ocupando-se da mesma tarefa.
Que pena! Que desperdício de tanta força, meu Deus!

sábado, 9 de junho de 2012

ÉTICA DO CUIDADO


O QUE SIGNIFICA MESMO O CUIDADO?
Leonardo Boff Teólogo/Filósofo

Hoje as discussões em torno do desenvolvimento sustentável, um dos temas centrais da Rio+20: seqüestraram a categoria de sustentabilidade. Ela não se reduz ao desenvolvimento realmente existente que possui uma lógica contrária à sustentabilidade. Enquanto aquele se rege pela linearidade, pelo crescimento ilimitado que implica exploração da natureza e criação de profundas desigualdades, a sustentabilidade é circular, envolve a todos os seres com relações de interdependência e de inclusão de sorte que todos podem e devem conviver e coevoluir. Sustentável é uma realidade que consegue se manter, se reproduzir, conservar-se à altura dos desafios do ambiente e estar sempre bem. E isso resulta do conjunto das relações de interdependência que entretém com todos os demais seres e com seus respectivos habitas. A sustentabilidade funda um paradigma que deve se realizar em todos os âmbitos do real.

Para que a sustentabilidade realmente ocorra, especialmente quando entra o fator humano, capaz de intervir nos processos naturais, não basta o funcionamento mecânico dos processos de interdependência e inclusão. Faz-se mister uma outra realidade a se compor com a sustentabilidade: o cuidado. Ele também funda um novo paradigma.Antes de mais nada, o cuidado constitui uma constante cosmológica. Se as energias originárias e os elementos primeiros não fossem regidos por um sutilíssimo cuidado para que tudo mantivesse a sua devida proporção, o universo não teria surgido e nós não estaríamos aqui escrevendo sobre o cuidado. Nós mesmos somos filhos e filhas do cuidado. Se nossas mães não nos tivessem acolhido com infinito cuidado, não teríamos como descer do berço e ir buscar o nosso alimento. O cuidado é aquela condição prévia que permite um ser vir à existência. É o orientador antecipado de nossas ações para que sejam construtivas e não destrutivas.

Em tudo o que fazemos, entra o cuidado. Cuidamos do que amamos. Amamos do que cuidamos. Hoje pelos conhecimentos que possuímos acerca dos riscos que pesam sobre a Terra e a vida, se não cuidarmos, surge a ameaça de nosso desaparecimento como espécie, enquanto a Terra, empobrecida, seguirá, pelos séculos afora, seu curso pelo cosmos. Até, quem sabe, que surja um outro ser dotado de alta complexidade e cuidado, capaz de suportar o espírito e a consciência. Resumimos os vários significados de cuidado construídos a partir de muitas fontes que não cabe aqui referir, mas que vem da mais alta antigüidade, dos gregos, dos romanos, passando por Santo Agostinho e culminando em Martin Heidegger, que vêem no cuidado a essência mesma do ser humano, no mundo, junto com os outros e voltado ao futuro. Identificamos quatro grandes sentidos, todos mutuamente implicados.

Primeiro: Cuidado é uma atitude de relação amorosa, suave, amigável, harmoniosa e protetora para com a realidade, pessoal, social e ambiental. Metaforicamente podemos dizer que o cuidado é a mão aberta que se estende para a carícia essencial, para o aperto das mãos, com os dedos que se entrelaçam com outros dedos para formar uma aliança de cooperação e a união de forças. Ele se opõe à mão fechada e ao punho cerrado para submeter e dominar o outro.

Segundo: Cuidado é todo tipo de preocupação, inquietação, desassossego, incômodo, estresse, temor e até medo face a pessoas e a realidades com as quais estamos afetivamente envolvidos e por isso nos são preciosas.Esse tipo de cuidado acompanha-nos em cada momento e em cada fase de nossa vida. É o envolvimento com pessoas que nos são queridas ou com situações que nos são caras. Elas nos trazem cuidados e nos fazem viver o cuidado existencial.

Terceiro: Cuidado é a vivência da relação entre a necessidade de ser cuidado e a vontade e a predisposição de cuidar, criando um conjunto de apoios e proteções (holding) que torna possível esta relação indissociável, em nível pessoal, social e com todos os seres viventes. O cuidado-amoroso, o cuidado-preocupação e o cuidado-proteção-apoio são existenciais, vale dizer, dados objetivos da estrutura de nosso ser no tempo, no espaço e na história, como no-lo tem mostrado Winnicott. São prévios a qualquer outro ato e subjazem a tudo o que empreendermos. Por isso pertencem à essência do humano.

Quarto: Cuidado-precaução e cuidado-prevenção constituem aquelas atitudes e comportamentos que devem ser evitados por causa das conseqüências danosas previsíveis (prevenção) e aquelas imprevisíveis pelo insegurança dos dados científicos e pela imprevisibilidade dos efeitos prejudicais ao sistema-vida e a sistema-Terra (precaução).O cuidado-prevenção e precaução nascem de nossa missão de cuidadores de todo o ser. Somos seres éticos e responsáveis, quer dizer, nos damos conta das conseqüências benéficas ou maléficas de nossos atos, atitudes e comportamentos.

Como se deduz, o cuidado está ligado a questões vitais que podem significar a destruição de nosso futuro ou a manutenção de nossa vida sobre esse pequeno e belo planeta. Só vivendo radicalmente o cuidado garantiremos a sustentabilidade necessária à nossa Casa Comum e à nossa vida.

Leonardo Boff é autor de O cuidado necessário a sair em julho de 2012 pela Editora Vozes.