domingo, 27 de janeiro de 2013

DIA DE CHUVA

Ao acordar, percebi que não há luz no dia que vou viver, confirmando assim, a chuva anunciada que deve cair, seja pelo calor intenso que tivemos de suportar ontem, seja pelo serviço de meteorologia.

Tudo está cinzento. Um canto insistente de bem-te-vi chega-me aos ouvidos, logo percebo que não fica sem resposta, será sua cara metade que se identifica de outro lugar; ouço também o chilrear de alguns pardais. Cantam, porque precisam se comunicar, não, com certeza, por gosto, pois, o plúmbeo que domina o espaço não tem beleza.

O outro bem-te-vi acelera o canto,  como que a dizer: estou aqui, já disse que estou aqui.

Começa a chover, uma chuva que sem chegar a ser forte, como de praxe, de repente, banhou tudo que atingiu. Através da mesma janela, chega-me também aos ouvidos o rumor de um ou outro carro que passa, deslizando sobre o asfalto molhado. Nossos ouvidos bem conhecem o que significa aquele chiado: água que se levanta, não sabe ficar em pé, e se deita em seguida, recompondo-se no leito fino que se faz sobre a superfície asfáltica que não a absorve.  

Minha sensação é de recolher-me, no meu canto preferido, é claro, no ambiente que destinei aos meus livros, com uma mesa para os meus devaneios linguísticos ou literários, ao lado da máquina que se tornou amiga de milhões, nem que seja para o simples prazer de mandar mensagens e mais recentemente, para os contatos no “face book”.

Mas sei que não devo, nem posso, hoje, preciso visitar meu irmão, ver minha mãe, como faço todos os dias e como almoçar, se minha cozinha é enfeite?

A sensação me desperta para a inter-relação que existe entre nós e o ambiente e a confirma.  Os ecossistemas são formados, uns do mar, outros da floresta, de cada um dos conjuntos de seres que convivem, convivem, repito,  no mesmo espaço. Somos influenciados, mais que isto,  determinados por eles. Apraz-me ao infinito, saber que sou parte de todos os seres e que todos eles concorrem para meu existir enquanto repito para mim mesma, as regras esculpidas por toda parte, sobre o compromisso que temos em manter o meio ambiente saudável, apto para responder às necessidades não só da presente, mas também das futuras gerações. Tudo em reciprocidade.

Lembro-me de que é preciso captar a mensagem insistente advinda das secas, da infertilidade que se apoderou de terrenos outrora pródigos em safras de todo tipo de grão, das catástrofes, quando os morros deslizam e arrebocam pela enxurrada, tudo que estiver pela frente, não importa qual seja o animal racional ou irracional que prejudicam.

Minha impotência aflora ante o número dos que ficam desalojados, minha dor aflora e persiste em comunhão com a de tantos e tantos que perdem tudo, aquele tudo adquirido ao longo de tantos anos e a duras penas.

Encolher-me? Mas como se viver é um processo que só finda, quando a vida deixa de ser e o corpo perde as faculdades que o mantiveram. Não se pode parar, não podemos nos encolher ou dar vez ao desânimo, ao comodismo, quem sabe, mesmo que determinado por um dia cinzento em que vai chover.