quarta-feira, 19 de novembro de 2014

CADA DIA SIMPLESMENTE


Na Capadócia
A vida cristã não é uma teoria, antes ela depende sempre de atos concretos que expressem a verdadeira fé.

A verdadeira fé por sua vez, também não é teórica, tanto que Jesus afirmou: a fé sem obras é morta.

Não é quem diz Senhor, Senhor, que vai entrar no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade do meu Pai. E qual é a vontade de Deus? Segundo disse o Apóstolo Paulo: a vontade de Deus é a nossa santificação.

Santificação é um projeto que envolve toda uma vida, não é pouco, posto que a medida de ser santo dada por Jesus, é ser santo como é santo, o Pai que está no céu. Por acréscimo, convém lembrar: só Deus é Santo, o Santo dos Santos.

Colocadas tais pressuposições, devemos saber que o caminho da santidade tem como trajeto a vida que levamos, nenhuma outra; como lugar, o lugar onde estamos; como tempo, o mesmo que nos é dado viver.

Ninguém pense que para ser santo, deva se isolar em algum lugar ou parar de fazer tudo que se esteja fazendo para fazer as coisas que imaginamos ser coisas de santo, nada disto.

Fomos chamados,  primeiro, à vida. Importa viver, estar vivo. O cristão pode viver como casado ou consagrar sua vida a Deus em um particular estado de consagração como propõe a Igreja, em nome de Deus.

Ser santo é simples, procuremos conhecer nosso caminho, o estado de vida ao qual por vocação somos chamados e assim, viver cada dia, simplesmente.


domingo, 16 de novembro de 2014

EM RITMO DE CONGO

                                                                     
Participei há cerca de duas horas da solenidade de abertura do “Congresso Brasileiro de Poetas Trovadores” que este ano se realiza nas dependências do Centro Comunitário do bairro Eurico Sales, em Serra.

Aconteciam aqueles momentos comuns a todos do gênero: falas, premiação, outorga de prêmios, medalhas, quando o apresentador, quebrando o protocolo, anuncia a chegada de um Grupo de Congo. O município de Serra é tradicionalmente pródigo em gente que ama o cultivo dessas expressões afro descendentes. Além do Jongo, é muito forte o jongo de São Benedito e outros. 

E irrompem salão adentro, duas adolescentes como porta-bandeiras, vestidas de branco, que ao ritmo cadenciado dos tambores agitavam os estandartes do Grupo. Foram seguidas de um expressivo número de tocadores de tambores, todos jovens e empolgadíssimos por serem vistos. Jovem o Mestre, numa graduação de idades que começa pelos seis, sete anos. Todos em harmonia total.

Os componentes da mesa afastaram suas cadeiras para abrir espaço para a passagem do grupo. Aproveitei que nos pusemos de pé, para ceder ao instinto de quem não consegue ouvir um ritmo sem ceder ao doce compasso e ousar algum passo.

E assim foi, até que tendo o grupo se postado do lado de lá, colocou-me sob os olhos um poeta que veio das Minas Gerais. Em poesia a Marilda, confessa-lhe “amorilda, amorilda você, desde tenra idaldida, porque nesta vilda, impossívilda, não te amarrilda”.

Exatamente aquele tipo bem particular, que coloca um chapéu sobre a carapinha longuete, suspensa estrategicamente na parte de trás querendo ser ao inverso um chanel, sem faltar em cada lado, aquele chumacinho que desce pelas orelhas. Cor bem escura, com o escuro que as abas do chapéu acrescentavam, difícil divisar seus traços fisionômicos.

O mesmo não acontece com o traje claro que vestia, calça, camisa de manga comprida meio enrolada, um colete, desses que se amarram para trás, com a frente aberta.

Indicadores em riche, as mãos levemente fechadas, o braço em 90 graus... rodopiava, gingava, dava passos, totalmente entregue ao ritmo dos tambores que ouvia, como se nada mais existisse a sua volta. Completamente feliz!
Como de verdadeira visão foi a impressão em mim causada. E aos meus passos que já eram débeis, chega uma ordem instintiva: para e olha simplesmente.

Sem esforço, parei. De imediato me lembrei daquela outra afrodescendente que me encantou, assistindo a uma apresentação do jongo das paneleiras de Vitória.

Embriagada pela percussão dos tambores tocados por homens, rodopiava por todos os lados, desvencilhava-se das companheiras, mergulhava sob cotovelos para sair lá na frente, cantando a plenos pulmões louvores ao santo.

Minha contemplação ficou ali em cerca de metro quadrado, assistindo, quando minha visão, que esbarrou na mesa, jogou medalhas no chão,  espantou a gafe, sequer permitindo que surgisse, recolheu tudo no mesmo compasso, sem perder a pose, sem parar de dançar, levantou as mãos em “mãos ao alto”, pedindo desculpas e seguiu em frente para não perder sequer um segundo ou o ritmo pelo qual era embalado.

Seria no mínimo perda de oportunidade, se eu não me tivesse assentado para melhor apreciar, todo enlevo que possuía aquele poeta carapinha, que até por ser negro, tem ainda muito mais capacidade de sentir e traduzir pelas emoções que de um corpo emanam o que causa na alma, rufar de tambores em ritmo de congo.


15/11/2014

domingo, 9 de novembro de 2014

NÃO SÓ DE PÃO VIVE O HOMEM

Quando parte fica branca, não consigo tirar, desculpe. 
Sem fundamento, mas já ouvi dizer, de determinada disciplina do currículo escolar: “não tem serventia nenhuma”. Uma grande bobagem!

No meu “ginasial”, os livros didáticos que nos iniciavam na conquista da cultura eram completos.  Poderíamos entender melhor de quase tudo, do que é ser cidadão, do que é ser democrata, se melhor tivesse sido a plantação por parte de quem devia ministrar conhecimentos.

Continuamos tempos a fora, a choramingar as deficiências da nossa educação. Sua falta continua provocando resultados indesejáveis e sacrificando desde individualidades à grandeza da Nação. A maioria dos conhecimentos detidos pela nossa gente são frases feitas, conceitos aprendidos sem acuidade, simplesmente ouvidos de quem ouviu simplesmente e simplesmente transmite. Apesar de promovermos até eleições para os mais altos cargos do exercício do poder.

Democracia, palavra da vez. Traduz-se em governo do povo, ou seja, “é um regime político em que todos os cidadãos elegíveis participam igualmente — diretamente ou através de representantes eleitos — na proposta, no desenvolvimento e na criação de leis, exercendo o poder da governação através do sufrágio universal. Ela abrange as condições sociais, econômicas e culturais que permitem o exercício livre e igual da autodeterminação política. É tão comum ser assim traduzida que da menção acima, encontrada em Wikipedia, não consta nome de autor.

Sem consciência do que é viver democraticamente, acabamos por ser superficiais no tratamento das coisas, acabamos por ser demasiadamente crentes e nos deixamos levar pela primeira aura de um nem tão sincero afago ou de um gesto de pseudo solidariedade. E o que é pior, deixamo-nos sucumbir ante o ardil de S. Exª, o marqueteiro.

A maior prova está no resultado das eleições presidenciais. Seria outro, se a democracia fosse vivenciada em sua extensão, se ao invés de dar o pão, salvo extrema necessidade, se ensinasse a pescar, se nossa gente fosse tratada olhando-se primeiro para sua dignidade de pessoa, se não fosse usada para alcançar o poder e uma vez lá, as estratégias governamentais não fossem mero faz de conta, sem colocar a Nação a serviço de qualquer partido, se a coisa pública em nenhum momento fosse profanada com tantos desvios e tanta roubalheira.

Democracia é sim governo do povo. Tal verdade, contudo não se completa se lhe faltar o complemento dela indivisível, pelo povo. Governo do povo, pelo povo é muito, muito mais do que encher barriga, até porque cumpre-se não se olvidar que não é só de pão que vive o homem.
Marlusse Pestana Daher, 




quinta-feira, 6 de novembro de 2014

CONFORMAR-SE É MORRER



        A vida sempre se encarrega de nos oferecer  oportunidades de voltarmos a nos surpreender, por exemplo, ao constatar que há quem seja capaz de partindo do absolutamente nada, dirigir acusações infundadas a outrem, infligir maus tratos,  pior ainda, torturar.

        Na Auditoria Militar, foi ouvido o depoimento de uma vítima, demonstrando o resultado deprimente do quanto pôde ser aniquilada e como conseqüência ter perdido todas as forças de ainda acreditar que haja esperança, de que possa ser diferente nesta terra. No final, não obstante sua infinita simplicidade e detenção de poucas letras, presenciamo-la se refugiar na certeza da existência de Deus e afirmar que Sua justiça sim, não falha!
        Revelou com minúcias tudo, mas recusou-se a assinar o termo, afirmou que de nada adiantaria.  Ante os argumentos que usava, quando foi tentado convencê-la de que o fizesse, vergaram-se todos, só restando  “engolir em seco”,  o seu protesto. Tem toda razão. Dois anos depois, seus algozes ainda não foram punidos.

        Terminada esta cena, (não sua lembrança), uma jovem advogada vem ter comigo e pedir apoio para resolver um problema sério. Impetrara um Mandado de Segurança em favor de um seu cliente e não obstante tê-la conseguido, mediante sentença, a autoridade coatora, recusa-se a cumprir a ordem. Já se dirigira a todos quantos é possível e atônita, vê os dias passarem sem que a solução que urge, venha.

        Como se diz frequentemente:  as coisas estão piorando  a cada  dia. E como é grave!

Fica muito difícil conviver num mundo em que a crise de autoridade se demonstra de tal forma sensível e palpável.  O suceder de tais fatos  somado à  leitura de um artigo de Nicolau Sevcenko, que acabou de publicar “A corrida para o Século 21”, me levou à busca do panfleto “A Desobediência Civil”, escrito de Henry D. Thoreau (1817-1862).

Nele, Thoreau, que inspirou a luta anticolonial do Mahatma (grande alma) Ghandi” “firmou seu pensamento político e resumiu sua proposta  de  “resistência não violenta”,  o anseio de “não se conformar nunca, porque conformar-se é morrer”. 

Conformar-se é morrer me vai repetindo uma voz lá dentro... Já é bastante grave a situação em que nos encontramos. Mas é absolutamente certo que ainda podemos reconstruir. Disponhamo-nos a remover os destroços.

Uma grande iniciativa passa, por exemplo, pelo dar vida às universidades, motivando seus docentes. De tal forma, que o entusiasmo pelo que é o ambiente onde militam, retenha-os entre seus umbrais durante todo o tempo que for de trabalho.  Igual tratamento seja dispensado a todas as  escolas indistintamente,  desde a pré. 

Um povo educado, será um povo mais esclarecido e  tangido por todas as veras da própria alma saberá responder ao convite feito pelo poeta à criança, mas  que se  pode  estender a todos os demais:  imita na grandeza, a terra em que nasceste!
        
Marlusse Pestana Daher

  Publicado: A GAZETA 26/11/01


terça-feira, 4 de novembro de 2014

TIA, ME DÁ UM TROCADO

Roupinhas surradas que já não estão limpas revelando ausência de cuidados o que se pode traduzir no fato de sorrateiramente ter deixado a casa há muitos dias ou ter sido constrangido a tal gesto pelas tantas faltas do absolutamente indispensável que ali predomina e cuja lista, não se exclui, pode ser encabeçada pelo amor.

Sentado na calçada da Igreja catedral da cidade, com os cotovelos sobre os joelhos, mãos sob o queixo sustenta a cabeça ligeiramente inclinada. Os olhos fixam qualquer ponto do asfalto sob seus pés. Terá não mais que oito ou nove anos. Pés descalços e muito sujos.

Estranho que ao passar por ele, não esboce o mínimo gesto, sequer me faz ouvir o clássico pedido: Tia, me dá um trocado.

Prossigo pensativa enquanto me bombardeio de inúmeras interrogações, para as quais se sucedem outras tantas respostas. São todas já feitas, de origem já conhecida, respondidas, com soluções discutidas, leis para elas previstas, descaso que retarda por em prática o que é devido, omissão tornada hábito e continuidade do que acabara de ver.

Atordoada pela cena, no entanto, prossegui meu caminho, quando de repente me apercebo de que não fui samaritana. Aquela criança não obstante os poucos anos vividos já viveu uma história de sofrimentos, de privações de desconforto, já levou muitos açoites da vida.

Quando se quis comprometer todos os responsáveis, consignou-se naquele que é considerado pelos desavisados, um mau, mas para quem conhece a fundo o problema e examina os fatos pelos seus diversos ângulos, sabe que tem tudo para dar certo, mas que não é observado também, o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Prevê no seu Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Ai está não é tão difícil assim, sobretudo sua efetividade não depende de dinheiro, como condição primordial para valer.

Outro legislador, esse o mais Sábio, também promulgou um mandamento: deixai vir a mim as criancinhas,  ou dai-lhes a vida que compete de sua parte do resto me encarrego Eu.

Entrementes, decido pela volta e retomo a caminhada inversa até o ponto onde a vi e a poucos metros constato dorida, ela já se fora, prossigo um pouco mais a frente e a decepção é ainda maior. Agora encolheu-se ainda mais e chora. Ao toque da minha mão no seu pequeno ombro levanta a cabeça e vejo que tem na face a marca de uma bofetada violenta. Depois de muita insistência, tenho a resposta. Alguém passara por ali e lhe dera uma moeda de um real, um outro garoto viu e mal a pessoa se afastou, toma-lhe o dom além de espancá-lo.

Abrindo a bolsa dei-lhe o que lhe foi retirado, mas ele continua chorando e se encolhe ainda mais.

Como é dura a vida! Não se pode imputar-lhe nenhuma culpa ou gesto que merecesse semelhante sorte...


Fiquei sem ação e agora para concluir esta crônica, também não sei onde foram parar as palavras...