segunda-feira, 5 de maio de 2014

UNIÃO ESTÁVEL E CONCUBINATO

Escrito em julho de 2000

        Neologismo é palavra nova. Quando a Constituição Federal definiu como União Estável,  a entidade familiar formada por um homem e uma mulher, recomendando que a lei facilitasse sua conversão em casamento, criou um neologismo jurídico. Afirmo-o para ser bem entendida, lembrando que, seja a palavra união, como, estável, cada qual com seu significado, existiam antes da Carta Magna, foram reunidas para definir a condição de muitos conviventes em situação singular ou seja, dos que convivem sem se terem valido do contrato civil previsto em lei, mesmo na inexistência de qualquer impedimento ou ainda que lhes falte apenas, o acionamento da vontade para tanto.

        Anteriormente, denominava-se genericamente de concubinos os que coabitavam, independentemente do estado civil, isto é, de ser apenas um, ou ambos solteiros, casados ou viúvos[1].

           Mesmo com a Constituição promulgada há já seis anos, na época, 29 de dezembro de 1994, foi sancionada a Lei 8.971, cognominada lei dos concubinos.  Tratou apenas sobre o direito a alimentos e a sucessão  entre eles. Prevê que companheiro em igualdade ou reciprocidade de direitos e deveres,   desde que o outro seja  solteiro/a, separado/a judicialmente, divorciado/a ou viúvo/a, desde que conte com mais de cinco anos dessa convivência ou tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, da ação de alimentos, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade.

Sobre a sucessão, definiu duas condições,  ambas de usufruto apenas, contanto que, quem sobreviveu não venha a constituir nova união. Na primeira, havendo filhos só do de cujus  ou comuns, sobre a  quarta parte dos bens;  será sobre a metade  não havendo filhos, embora sobrevivam ascendentes.  na falta de ambos, o direito se plenifica sobre a totalidade em forma de  herança, portanto, transfere-se ao sobrevivente definitivamente. Neste último caso, não se fale portanto, de usufruto ou de impossibilidade de constituir nova união.

Uma outra hipótese disposição é no sentido de que, se os bens deixados resultarem de atividade em que haja colaboração do outro companheiro ou do esforço comum, como melhor se diz, que o sobrevivente terá direito a sua meação.
       
A Lei dos Concubinos é restrita,  não tardou a necessidade de ser editada uma outra que se cognominou Lei da União Estável (Nº 9.278, de 10 de maio de 1996).  Disse a que veio, regulamentar o § 3º do art. 226 da CF. Portanto, se para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento,  como entidade familiar será reconhecida  a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.

        Logo, os unidos se devem:  respeito e consideração; assistência moral e material; além de  lhes competir a guarda, sustento e educação dos filhos comuns.

        Sobre os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, afirma a lei que são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, a menos que seja estipulado em contrário, mediante contrato escrito.

        No casamento, o regime de comunhão de bens é previamente definido pelos cônjuges, via de conseqüência, o contrato citado deve anteceder à estabilidade da união, diversamente, seria estranho e injusto. Não acontece qualquer alteração no curso da união matrimonial, não pode acontecer na união estável que lhe foi equiparada.

        Há ainda a possibilidade de formação de patrimônio o qual também se torna comum, quando ocorrer com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união.  Este tem um pequeno apartamento, aquele um outro, vendem os dois e compram um terceiro, por exemplo.

Na união estável, a administração do patrimônio comum dos conviventes compete a ambos, salvo estipulação contrária em contrato escrito.

Como ocorre com o casamento, a  união estável também pode ser desfeita e o será mediante rescisão. Restará a obrigação de prestação da  assistência material a título de alimentos a quem dela necessitar. Toda a matéria relativa à união estável é de competência do juízo da Vara de Família, com as características próprias,  assegurado o segredo de justiça.

Note-se ainda, que ao falar de alimentos, prestados por um dos conviventes ao outro que deles necessitar,  fala de forma  prevista nesta Lei. Logo, a outra, a lei dos concubinos vale só para eles, e que, a condição de concubinos  não está contemplada nos seus termos. As situações peculiares  poderão ser resolvidas na forma anterior,  do mesmo modo com que se resolvem as dos concubinatos pré existentes à  união estável. Não podem ser por ela recepcionadas, faltam-lhes aqueles pressupostos com que a mesma união estável foi reconhecida e definida constitucionalmente.

Neste sentido, evocando ao menos nove outros precedentes, o Superior Tribunal de Justiça,  a 30 de setembro do ano passado[2] em recurso especial, acolheu  pedido de indenização por serviços prestados, em que a relação de concubinato era anterior à Lei da União Estável e à Constituição Federal, reservando para a liquidação a apuração do respectivo  valor.

Também não se olvidou a lei,  numa atitude pré pacificadora entre eventuais herdeiros de quem morreu com quem subsistir, de prever que: se dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, relativamente ao imóvel destinado à residência da família, enquanto viver, contanto  que  não constitua nova união ou se case.

É evidente a conclusão portanto:  concubinato é uma condição e união estável, outra. Não existe concubinato puro ou impuro, conforme se esforçaram por definir alguns,  no sentido de que aquele é o que existiria entre desimpedidos para se casarem e este, ao contrário. Nas duas condições, pode ser  buscado refúgio em lei.  Ambos apresentam uma dificuldade na postulação em juízo, porque assim como não basta dizer ao Estado Juiz, eu sou casado com fulano, mas tenho que provar mediante exibição de certidão do registro respectivo do meu casamento, não basta que eu diga, vivo, convivo, desde tal dia, ou por este tempo com A.  Preciso provar[3].





[1] Em sentido lato, o concubinato representa qualquer união sexual, fora do casamento, menos estável. (Mario de Aguiar Moura – Teoria e Prática – Editora Síntese -1979

[2] INDENIZAÇÃO. SERVIÇOS PRESTADOS. CONCUBINATO.
A Turma, prosseguindo no julgamento, acolheu o pedido de indenização por serviços prestados, em que a relação de concubinato é anterior à Lei da União Estável e à Constituição Federal, reservando para a liquidação a apuração do valor. Precedentes citados: R Esp 97.811-RJ, DJ 14/10/1996; R Esp 50.100-RJ, DJ 19/12/1994; R Esp 5.099-RS, DJ 29/4/1991; R Esp 47.256-RJ, DJ 24/10/1994; REsp 62.268-RJ, DJ 2/10/1995; R Esp 108.455-RJ, DJ 7/4/1997; R Esp 14.746-SP, DJ 9/12/1991, e R Esp 85.954-SP, DJ 20/5/1996. R Esp 132.826-SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, julgado em 30/9/1999.

[3] Art. 861 - Quem pretender justificar a existência de algum fato ou relação jurídica, seja para simples documento e sem caráter contencioso, seja para servir de prova em processo regular, exporá, em petição circunstanciada, a sua intenção. (CPC)