Plena
manhã de quarta-feira e aquela mulher estava sentada num banco da Praça Bolognesi,
em Tumbes, cidade do Peru.
Os
tumbesinos retribuem de plano com um cumprimento, ao simples olhar observador
como foi sempre o meu, em caminhadas pelas ruas da cidade com propósito de
conhecer o quanto mais possível desde os detalhes da mesma cidade, até a forma
com que se movem as pessoas, quem sabe os sentimentos pelos quais estão
movidas.
Assim,
um olhar de passagem por alguém pode fazer ter que voltar ao foco, porque aos
ouvidos acabam de ressoar um simpático: Buenos
dias!
Foi
o que aconteceu entre mim e a tal senhora que em seguida a minha resposta,
convidou-me a sentar ao seu lado, com o que aquiesci. E ela foi-me perguntando
de onde era, e tudo que acontece, quando se deve travar uma conversa amigável.
Primeiras
informações prestadas, também fiquei sabendo que é viúva, mãe de sete filhos,
constrangida a migrar para a cidade, em busca de trabalho. Apesar de pouco mais
de cem mil habitantes, a cidade é agitada, com um trânsito caótico, poluído
pela buzinação frequente e forte de centenas talvez, de moto taxis, um tipo de
motocicleta comum até a parte do acento do carona, onde começa uma cabine com
lugar para até três pessoas, que desviam meu olhar pela curiosidade estética,
mas até uma certa simpatia despertada em mim que também as adotei em
deslocamentos por ali. Acho que isto me identificava como visitante, ou dava
mesmo para notar.
Ainda
assim, esmerei-me para assegurar à minha interlocutora que a ouvia.
Dispensamo-nos algumas palavras, algum tempo ao comentário sobre os problemas
de sua família, um problema socioeconômico universal.
Consistiu
no introito do qual minha interlocutora de poucas letras, mas deveras muito
sábia se valeu para alcançar seu objetivo, para justificar porque em plena
manhã de um dia de semana, estava sentada num banco de praça, à espera de
alguém a quem pudesse dar seu testemunho sobre Jeová.
Curva-se
para apanhar em uma bolsa colocada ao seu lado, uma Bíblia Sagrada que começa a
folhear, enquanto reparo que a mesma tem diversos pontos destacados por um
marcador de texto amarelo, em diversas páginas, até que encontra o que
procurava e lê para mim, que não memorizei, mas lembro que se tratava de referência
particularíssima a Jeová.
Em
seguida, sem alterar o tom, mas de forma mais eloquente começou a explicar a
passagem bíblica e alertar sobre o advento do reino de Deus e suas exigências, segundo os seguidores de sua
denominação: as testemunhas de Jeová.
Ouço-a
com atenção não tanto porque me empolgasse, mas para que não se sentisse menos
bem, como ousaria fazer diferente? Logo eu que nunca sentei num banco de praça,
nem assediei ninguém pela rua para falar do reino de Deus! Trata-se da fé que
ela professa, das verdades que a alimentam, que a fazem temente a Deus, que a
fazem sentir-se na obrigação de reservar uma parcela do seu tempo para anunciar
Jeová.
Eu
a ouviria por mais um pouco de tempo, mesmo que pudesse não concordar com tudo
que estava dizendo, mas minha presença ali era casual, aguardava um ônibus que me levaria
com ouras pessoas ao lugar do compromisso que tínhamos naquela manhã.
Despedi-me
da minha interlocutora de quem me apartei, ouvindo proferir bênçãos para toda
minha vida, para minha família, para o que quer que eu faça. Deus a ouça.
Não
sei em quanto tempo transcorreu a cena descrita, ao invés, estou certa de que nunca
mais me esquecerei, daquela senhora de corpo enlanguescido ainda que volumoso,
como é comum, quando os anos passam e para quem pode ter superado bem umas oito
décadas de anos, sem óculos, cabelos lisos, presos ao topo da cabeça em coque,
rosto ovalado, bochechas pendidas, pele moreno-amarelado característica de quem
é originário dos andes, reveladora de sua raça e que lembra seus ancestrais,
porque certamente fará parte dos que “brilharão na eternidade como as estrelas
no céu, por terem ensinado senão a muitos, ao menos aos que tiver conseguido
abordar”. Não faço como ela faz.
O
ensinamento que me deixou, também pode não ser exatamente da doutrina que
proclama, mas da garra com que o faz, e ainda mais, por ser tão espontânea, por
ter deixado para depois afazeres domésticos que pode adiar, por não se
envergonhar de numa praça, “proclamar o nome de Jesus” (Mt. 10,33).
Tumbes,
Peru 23 de agosto de 2014
12:45