domingo, 16 de novembro de 2014

EM RITMO DE CONGO

                                                                     
Participei há cerca de duas horas da solenidade de abertura do “Congresso Brasileiro de Poetas Trovadores” que este ano se realiza nas dependências do Centro Comunitário do bairro Eurico Sales, em Serra.

Aconteciam aqueles momentos comuns a todos do gênero: falas, premiação, outorga de prêmios, medalhas, quando o apresentador, quebrando o protocolo, anuncia a chegada de um Grupo de Congo. O município de Serra é tradicionalmente pródigo em gente que ama o cultivo dessas expressões afro descendentes. Além do Jongo, é muito forte o jongo de São Benedito e outros. 

E irrompem salão adentro, duas adolescentes como porta-bandeiras, vestidas de branco, que ao ritmo cadenciado dos tambores agitavam os estandartes do Grupo. Foram seguidas de um expressivo número de tocadores de tambores, todos jovens e empolgadíssimos por serem vistos. Jovem o Mestre, numa graduação de idades que começa pelos seis, sete anos. Todos em harmonia total.

Os componentes da mesa afastaram suas cadeiras para abrir espaço para a passagem do grupo. Aproveitei que nos pusemos de pé, para ceder ao instinto de quem não consegue ouvir um ritmo sem ceder ao doce compasso e ousar algum passo.

E assim foi, até que tendo o grupo se postado do lado de lá, colocou-me sob os olhos um poeta que veio das Minas Gerais. Em poesia a Marilda, confessa-lhe “amorilda, amorilda você, desde tenra idaldida, porque nesta vilda, impossívilda, não te amarrilda”.

Exatamente aquele tipo bem particular, que coloca um chapéu sobre a carapinha longuete, suspensa estrategicamente na parte de trás querendo ser ao inverso um chanel, sem faltar em cada lado, aquele chumacinho que desce pelas orelhas. Cor bem escura, com o escuro que as abas do chapéu acrescentavam, difícil divisar seus traços fisionômicos.

O mesmo não acontece com o traje claro que vestia, calça, camisa de manga comprida meio enrolada, um colete, desses que se amarram para trás, com a frente aberta.

Indicadores em riche, as mãos levemente fechadas, o braço em 90 graus... rodopiava, gingava, dava passos, totalmente entregue ao ritmo dos tambores que ouvia, como se nada mais existisse a sua volta. Completamente feliz!
Como de verdadeira visão foi a impressão em mim causada. E aos meus passos que já eram débeis, chega uma ordem instintiva: para e olha simplesmente.

Sem esforço, parei. De imediato me lembrei daquela outra afrodescendente que me encantou, assistindo a uma apresentação do jongo das paneleiras de Vitória.

Embriagada pela percussão dos tambores tocados por homens, rodopiava por todos os lados, desvencilhava-se das companheiras, mergulhava sob cotovelos para sair lá na frente, cantando a plenos pulmões louvores ao santo.

Minha contemplação ficou ali em cerca de metro quadrado, assistindo, quando minha visão, que esbarrou na mesa, jogou medalhas no chão,  espantou a gafe, sequer permitindo que surgisse, recolheu tudo no mesmo compasso, sem perder a pose, sem parar de dançar, levantou as mãos em “mãos ao alto”, pedindo desculpas e seguiu em frente para não perder sequer um segundo ou o ritmo pelo qual era embalado.

Seria no mínimo perda de oportunidade, se eu não me tivesse assentado para melhor apreciar, todo enlevo que possuía aquele poeta carapinha, que até por ser negro, tem ainda muito mais capacidade de sentir e traduzir pelas emoções que de um corpo emanam o que causa na alma, rufar de tambores em ritmo de congo.


15/11/2014