Irmandade dos Homens Pretos
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos é uma confraria de culto afro-brasileiro,
congregados em torno da devoção a Nossa Senhora
do Rosário.
Origens
da devoção a Nossa Senhora do Rosário
A devoção a Nossa Senhora
do Rosário tem sua origem entre os dominicanos, por volta de 1200.
São Domingos de
Gusmão, inspirado pela Virgem Maria, deu ao rosário sua forma atual. Isto pode ser
comprovado em episódios revelados em sua iconografia. A primeira irmandade do rosário foi instituída por
eles em Colônia (Alemanha), em 1408. Logo a devoção se
propagou, sendo levada também por missionários portugueses ao Reino do Congo.
A
irmandade de Nossa Senhora
do Rosário no Brasil
A Irmandade de Nossa Senhora
do Rosário chegou ao Brasil no século XVI. Em Santos, a igreja matriz já tem como padroeira Nossa Senhora
do Rosário. No século XVII, esta mesma imagem de Nossa
Senhora é a padroeira principal de Itu, Parnaíba e Sorocaba. A partir do fim do período
colonial, as irmandades do Rosário passam a ser constituídas pelos "homens
pretos".
No Brasil, ela foi adotada por senhores e
escravos, sendo que no caso dos negros ela tinha o objetivo de aliviar-lhes os
sofrimentos infligidos pelos brancos. Os escravos recolhiam as sementes de um
capim, cujas contas são grossas, denominadas "lágrimas de Nossa Senhora",
e montavam terços para rezar.
Registra-se as seguintes datas de fundação das Irmandades dos Homens
Pretos:
- 1640 - Rio de Janeiro (cidade), Rio de
Janeiro
- 1708 - São João del-Rei, Minas
Gerais
- 1711 - Cidade de São
Paulo. Sede atualmente localizada no largo do Paiçandu, região central. A entidade
foi criada para abrigar a religiosidade do povo negro, impedido de
freqüentar as mesmas igrejas dos senhores, e resiste à urbanização,
mantendo em seu calendário uma devoção secular a Nossa Senhora do Rosário.
São realizadas procissões, novenas e rezas do terço, despertando o
interesse dos que transitam pelas proximidades da avenida São João e da avenida Rio Branco.
- 1713 – Cachoeira do Campo e Sabará,
Minas
Gerais
- 1715 – Ouro
Preto, Minas Gerais
- 1728 – Serro,
Minas
Gerais
- 1754 - Viamão,
Rio Grande do Sul
- 1771 - Caicó,
Rio Grande do Norte
- 1773 - Mostardas,
Rio Grande do Norte
- 1774 - Rio
Pardo, Rio Grande do Sul
- 1796 - Salvador, Bahia
- 1782 – Paracatu,
Minas
Gerais
A Irmandade do Rosário possuía a seguinte hierarquia: a Mesa
Administrativa, o Conselho de Irmãos, a Coorte e o Estado Maior com suas
Guardas. Em alguns lugares, devido à perseguição promovida pelo clero,
algumas destas irmandades desvincularam-se da Igreja Católica. Mais
recentemente, em algumas dioceses há uma reaproximação, através da Pastoral
Afro-Brasileira.
Com quase três séculos de existência, a Irmandade do Rosário dos Homens
Pretos é uma referência para movimentos de consciência negra, porque apresenta
uma tradição religiosa que remonta aos tempos dos primeiros escravos. Texto de
Maria José de Deus.
Irmandade
dos Homens Pretos em São Paulo
A Irmandade sofreu as agruras de ver sua primeira igreja, na Praça
Antônio Prado, construída em 1725
com a arrecadação de doações e esforço dos malungos (irmãos), ser demolida para
dar lugar a projetos de urbanização da Província.
Os negros conseguiram manter relativo patrimônio ao redor dessa igreja,
casas simples serviram para atividades religiosas, acolhimento dos alforriados e a administração da Irmandade,
composta de diretoria e mesários.
Hoje, esse estilo colonial permanece nas dependências da igreja que, por
ser capela, está sob a jurisdição da paróquia
de Santa Ifigênia. No subsolo fica a mesa administrativa, onde os
irmãos se encontram para a celebração da missa
de domingo, para confraternização e para a distribuição mensal de cerca de 150
cestas básicas. Eles vivem esses momentos agradáveis e de decisões em meio a
recordações, mantidas num acervo de pinturas,
ilustrações, fotografias, imagens e documentos que trazem à lembrança os
primeiros irmãos. "Eu me emociono e sinto um grande amor por tudo isso
aqui", revela Cleofano de Barros, há 50 anos na Irmandade.
A eleição da diretoria é anual para os cargos de juiz provedor, secretário,
tesoureiro e procurador, que exercem atividades administrativas e pastorais na
comunidade, incentivando a formação da juventude, de equipes de música e de liturgia. Nessa ocasião, também são eleitos
os festeiros, o rei e a rainha, que juntos com o juiz e a juíza organizam,
durante o ano, com o apoio das irmãs e dos irmãos, as festas de Nossa Senhora
do Rosário e São Benedito.
"A Irmandade conseguiu agregar um número considerável de afro-brasileiros.
Somos cerca de 220 membros", diz o juiz provedor Marcelo Antonio Saraiva,
32 anos.
Os irmãos recebem pesquisadores, religiosos e pessoas de outros Estados e
até do exterior, interessados em conhecer e estudar as razões de tanta
longevidade e que ficam deslumbrados com o interior da igreja, que apresenta
uma variedade de detalhes na pinturas das paredes, nas vestimentas e adornos dos
santos, nas luzes do altar-mor que refletem entre lustres, candelabros e
flores. "Só a devoção a Nossa Senhora foi capaz de manter-nos unidos, com
a Irmandade aproximando-se dos 300 anos, e trazendo com a religiosidade, a
conscientização capaz de forjar o surgimento de outros movimentos negros",
esclarece a advogada e ex-deputada estadual, Theodosina Rosário Ribeiro, que já
foi juíza, é mesária, e ainda faz parte da equipe litúrgica.
Tradições
e festejos
A festa de Nossa Senhora do Rosário era conhecida como da Oraga,
que quer dizer padroeira. Essa designação foi usada até o Concílio Vaticano
II, quando as missas eram rezadas em latim
e a ladainha cantada. "Há alguns anos, os festejos se estendiam até à
noite, mas com a cidade de São Paulo
cada dia mais violenta, preferimos realizar a celebração durante o dia",
revela Jonas Gregório Lucas, mestre de cerimônia. Há 40 anos na Irmandade, Jonas acrescenta que ainda são
conservadas tradições nas festas e posse dos irmãos e irmãs, quando os homens
usam a opa, uma vestimenta sobre os ombros e as mulheres, fita azul sobre
vestidos pretos ou brancos. No primeiro domingo de outubro, quando é realizada
a festa do Rosário, a igreja vive momentos de esplendor com missa solene,
coroação de Nossa Senhora, almoço para a comunidade e irmandades de São Paulo, Santos e Rio de Janeiro. Nesse dia, o povo sai em procissão pelas ruas do centro, cantando e
acompanhando a banda de música, as crianças vestem-se de anjos, cumprindo as
promessas dos pais, os irmãos e irmãs carregam os andores, o rei e a rainha as
coroas, lembrança dos reisados e congadas. "Sinto muito alegria em ser
a madrinha e responsável em levar o estandarte de Nossa Senhora", conta
Lucy Mineiro, que neste ano passará a incumbência para outra irmã, já que foi
escolhida para ser a rainha.