sexta-feira, 3 de abril de 2015

RUMO AO ENCONTRO DE JESUS NO CAMINHO DA CRUZ


Quinta-feira santa. Findara a celebração da Missa em particular comemoração ao que ela representa: o dia da instituição da Eucaristia e consequentemente, do sacerdócio. É a esses ungidos que compete celebrá-la “em memória de mim” (Jesus).

Depois da oração final o Celebrante ainda deu alguns avisos. Entre mais, disse: “por essas horas Jesus tendo sido preso e condenado, está sendo torturado. Amanhã, celebraremos sua morte”.

Premida pelo compromisso que tinha em seguida, sai logo da Igreja, mais tarde, deitei-me para dormir. Eis que nesta manhã, ao despertar, me lembro que Jesus se encontra em apuros, na mão dos seus algozes. E o vejo exangue, corpo em chagas e insultos indizíveis brotam de cada lábio daqueles insanos que parecem ansiosos pelo passar ainda mais rápido das horas para levá-lo ao patíbulo infame.

Detenho-me alguns instantes na observação desses fatos, quando reparei que se revezavam nos açoites. O que cedia o chicote, não o fazia sem antes golpear-lhe mais uma vez a cabeça, onde a coroa de espinhos pontiagudos, a certo ponto, se entortavam no contato com o osso do crânio e da fronte que  só por milagre, não conseguiam ultrapassar. Como prêmio recebiam mais uma dose de uma bebida certamente alucinógena, que aumentava-lhes o ódio e o desejo de matar.

Mas o Senhor nada dizia. Sequer uma lágrima rolava-lhe pela face e não porque a dor não fosse intensa, mas porque sua capacidade de refazer-se a cada golpe tinha como condimento o amor de quem é capaz de “amar até o fim”.

De repente, sou impelida a levantar-me, vestir-me, tomei meu café sim, não deixei sem cumprimento nenhuma parte dessa minha liturgia matinal. Mas claro que acelerei e reduzi o tempo. Logo estava pronta, fechei a porta do meu apartamento por fora, desci pelo elevador, ganhei a rua disposta a ir ao encontro de Jesus, unir-me aos amigos que o acompanhavam.

No portão, pergunto-me que direção tomar e sem esperar resposta, vou em frente. Estou decidida, preciso encontrar Jesus.

A manhã está ligeiramente nublada, fresquinha, mas ainda assim brilha o sol. As ruas estão limpas, o ar é bom, as folhas das árvores não estão tristes, balouçam ao ritmo do vento que sopra.  Poucas pessoas trafegam pelas ruas, estarão possuídas pelo silêncio da prepotência imposta pelo julgamento cruel.

- Por que aquela caixa ali? Ao aproximar-me, vejo que há duas pessoas que forraram a calçada com outra caixa e dormem embaixo daquela. Os pés estão sujíssimos da caminhada sobre o pó preto, privilégio desta cidade. Roupas velhas, desbotadas e sujas também. 

Passo, só pude ter compaixão naquele momento, não lhes ouso perturbar o sono que me parece profundo apesar do ambiente. 

Mais a frente, um adolescente louro dá sinal de que acordara por ali. Num bocejo enorme, expõe por inteiro o interior de uma boca pouco saudável, de dentes que começam a enegrecer.

Prossigo e vejo aquela senhora que com uma criança nos braços envolta “em faixas”, corre afoita rumo ao primeiro ponto de ônibus que encontra e olha ansiosa a chegada de cada coletivo. Ao ver que os primeiros a passarem não eram o que a levaria ao hospital infantil demonstra enorme desalento. Refaz-se, renova a expectativa. Ao surgir o que a interessava, entra rapidamente e parece um tiquinho mais tranquila.

- Que é aquilo, gente? Dois policiais espancam severamente um rapaz já rendido, antes que eu chegasse perto, vejo-os empurrarem para dentro do cofre da viatura e saírem em disparada. Acabara de furtar um celular.

Por aquela via perpendicular pela qual eu seguia, vejo sair de uma transversal um casal, mais outro e outros mais. Aprofundo o olhar e vejo que rumavam à Igreja lá no final. Vão adorar Jesus, em oração, acompanhá-lo até a hora nona do seu sacrifício.

Na minha busca, no meu ir ao encontro de Jesus, vou imaginando tudo que ia acontecendo.  Contemplo-O, quando aos empurrões e açoites é posto para fora do lugar do tormento (o sinédrio), quando lhe põem nos ombros a cruz pesada, quando cai e se levanta.

De repente, não posso conter a interrogação:  “Deus meu, por que os abandonaste”? Vejo Maria, sua mãe, que ao ficar sabendo da condenação veio-lhe ao encontro, chega acompanhada de outras mulheres. Diante do que vê não pode calar o que na alma explode: “vós que passais, vede se há dor maior que a minha dor”.

Entreolham-se profundamente, dos respectivos olhares o outro recebe acalanto e lado a lado, seguem o restante do trajeto. Com assentimento do olhar, ela anima as mulheres para que interpretem bem a advertência de Jesus de que deveriam antes chorar pelos próprios filhos.  Ela o vê cair mais duas vezes. Agradece ao Cirineu que a certo ponto, ajudou seu Filho a carregar a cruz.

No Gólgota, a profecia do velho Simeão lhe ressoa aos ouvidos: ele tinha razão. Uma espada de dor transfixa o peito de Maria. Mas tem oportunidade de assistir a mais um gesto corriqueiro dos que praticava nas estradas da vida. Concede ao ladrão que lhe pede: “hoje mesmo estarás comigo no paraíso”. Como poderia não sofrer tanto, vendo o filho ser desnudo, deitado na cruz, ser crucificado. Esvair-se, clamar pelo Pai, receber vinagre ao invés de água, ao clamar “tenho sede”. Finalmente, expirar depois de um grande grito, ter o peito furado por uma lança de soldado frio,  de onde saiu a última gota de sangue.

Ainda recebe o corpo do Filho morto em seus braços e o acompanha à sepultura. Ali se daria a confirmação do que Jesus dissera: “destruí este templo e em três dias, o reerguerei de novo”.

Sexta-feira santa, dia de silêncio, de respeito. Encontrei parte dos Jesus que sofrem em cada uma das pessoas que citei: “aqueles que não têm onde repousar a cabeça”, os que dormiam na calçada; aquele que é desprezado ou considerado sem importância por ser “filho  de um simples carpinteiro” (ou de quase ninguém), o adolescente que despertava; as mulheres angustiadas que correm em busca de tratamento para os filhos doentes, como a cananeia; os esquecidos pelo Estado que não os educou na infância, mas uma vez adultos tem o desplante de punir pura e severamente. Os que descobriram o valor da fé e que seguem nas práticas sugeridas pela Igreja assegurando-se a vida eterna. São os que entoarão aleluias na páscoa!

Eu sabia que Jesus, aquele que “renunciou à sua condição de Deus, despiu-se de sua natureza, humilhou-se até a morte e morte de cruz” não estaria por ai, mas não tenho dúvida de que em todos os que encontrei ele estava. Ele está em todos, máxime nos que sofrem.

Passei por aqui, por esta escrevinhação-reflexão bem umas três horas. Valeu como imersão no clima de Paixão do Senhor.

Renovo meu propósito de servir e repetirei sempre como o fez o Mestre, “eu vim para servir”.






Marlusse Pestana Daher                                                                           Vitória, 3 de abril de 2015 12:40.