segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

CICATRIZ

Fran D. Menengussi                  São Mateus - ES

E a minha cicatriz ainda continuava aberta quando veio um novo corte. 

Foi apenas no ano passado que perdi minha filha, moça já criada e mãe de primeira viagem, se foi sem me dizer adeus, nem aviso. Ruptura rude de um laço fraternal único, cicatriz na alma forjada no fogo trazendo uma dor imensurável.


Como dizem, sobrevivi ao ano catando cavaco e os cacos, lutando e aprendendo a ser mãe do meu neto, sorrindo e o acariciando com o olhar para que aquele bebê de apenas sete meses se sentisse amado duplamente, tentando estancar dores e lembranças naquele pequeno coraçãozinho. Mentalizando sempre positivamente na busca por um amanhã melhor.

E o amanhã chegou contrariando as expectativas, cheio de medo, dor e luta. O câncer que sempre vi como um atestado de óbito veio como me provando, me testando e perguntando: até onde vai a sua fé...

E, vieram mais cicatrizes internas e externas, três cirurgias, cti, cinquenta e quatro dias resfolegando por vida. E Deus permitiu que eu voltasse, Ele, uma equipe médica sábia e humana, amigos em constante oração e uma família amorosa. Como amo ter no meu sobrenome a palavra Duarte, como esse povo maravilhoso e altruísta consegue ser sustentáculo na alegria e na tristeza.

E os meus cabelos caem por onde ando e vejo neles, espalhados pelo chão, a perda daquela que fui um dia. E esse novo eu que não compreendo, não entendo e não controlo, me apavora. Logo eu, que sempre fui um livro de autoajuda ambulante, com respostas certas para as dores da vida, autoestima nas alturas, sou tomada por tamanha fragilidade.

Quando o meu olhar no espelho reflete esse novo eu, que desconheço, tento de todas as formas conectá-lo, buscar parâmetros e referências para retomar a posse daquela que fui. Mas, não reconheço o meu físico, perdi o estofamento do corpo e da alma.

E como é difícil ser piegas: olhe o horizonte, respira o ar, sorria para a vida, bendizendo a todo instante a sua sorte de estar viva.

Mas, nesse cruzamento da nova com a antiga, encontro perseverança, resiliência e uma fé redobrada. Descobri no tempo, que cicatrizes vão se curando e modificando as nossas histórias, que por mais sofridas que sejam tornam-se bonitas por nos descobrirmos fortes e sobreviventes. Temos um apego tão grande com a vida que aprendemos a conviver com elas. Mas nunca esquecê-las...