quarta-feira, 18 de outubro de 2017

COMO É POSSÍVEL?


Por mais que reflitamos sobre as coisas, existem aquelas que em determinados momentos adquirem novos contornos, ou se tornam mais interpelativas, ou fazem sentir muito mais o que são de tudo aquilo que a gente disser.

Uma avó, viúva, naturalmente idosa, com sua pensão de marido assalariado, ou conseguida pelo benefício assistencial ao idoso do INSS a que algumas fazem jus, completados 65 anos e não dispõe de nenhuma outra fonte de renda, sustenta filhos, netos e bisnetos. Se se falou de filhos, são no mínimo ou ao menos dois, duas a maior possibilidade é que sejam mulheres,  netos três ou quatro e bisneto, ao menos um.

E a pergunta foco é como é possível? Vamos ali ao supermercado e só estamo-nos referindo ao item alimento, não compramos quase nada e gastamos cento e cinquenta, duzentos reais. Ai já corresponde a um terço do mensal da tal avó. A luz não é de graça, nem a água, tem o crédito do telefone, porque hoje ninguém mais vive sem um, nem que seja do tipo “pai de santo”, só serve para receber (telefonemas ou mensagens). Tem aquela prestação pela compra daquele objeto que a propaganda tipo “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”, tornou de aquisição irresistível. Quem sabe fez empréstimo para pagar dívidas e acumulou mais dívida ainda, em cima de dívida.

Tem SUS mas não tem médicos suficientes, nem todos os remédios necessários ou prescritos. Ninguém pode andar nu e se souber que em algum lugar de caridade está sendo feita distribuição de coisas lá se vai, pagando passagem de dois três ônibus, gasta toda a manhã para chegar, entra numa fila enorme para ouvir quando já está quase chegando sua vez: “sentimos muito,  mas por hoje acabou”

Como é possível? Não é. Quem disse que é possível “não sabe da Missa um terço”, mas pode ser que se esqueça que seja esta a causa da intranquilidade das  nossas vidas, porque somos nós que temos que ficar presos em nossas casas, que a qualquer momento podemos ser alvo de uma bala perdida ou mesmo propositalmente direcionada a nós. Nunca pensamos que podemos ser assaltados, (eu já fui); pensamos que as coisas só acontecem com os outros.

Para entender o impulso determinante de tantas condutas reprováveis, um bom exame de consciência pode ajudar e muito. Como a gente se sente diminuído por ter sido preterido a um lugar esperado, a um cargo pelo qual tanto anseia, no emitir de opiniões por outras superadas. Parece pouco, mas “as grandes coisas se fazem com as pequenas. Estou hospedada num hotel e na hora do acerto das diárias pergunto o que está sendo cobrado. Respondem-me que só as diárias, se não sou suficientemente honesta, vou embora, bebi água da geladeira e consumi alguma guloseima que tinha seu preço e fiquei calada. Chego em determinado lugar, vejo uma caneta por ali, aparentemente de ninguém, coloco na bolsa e saio tranquila... Isto é furto. Dou um jeito e coloco na mala alguma coisa disponibilizada aos hóspedes num hotel, só enquanto ali estiverem, mas eu levo embora mesmo que não me esteja fazendo falta. Isto também é furto.

Em outra circunstância, sei que tal candidato é corrupto, mas voto nele porque assegurou um emprego para mim ou para meu filho. Isto não é cidadania. Recebo troco a mais ou da outra parte o caixa recebe duas notas coladinhas porque são novas e cada um aperta ainda mais o  bico para que não se atreva a não ficar calado.

Não sou justa em recompensar quem trabalha para mim.  Você que me lê poderá acrescentar muitos outros exemplos semelhantes.

O pobre cuja índole pode ser tão podre quanto a minha, vê a chuva vazar barraco a dentro, não tem lugar que fique preservado. Suja roupas, as próprias pessoas e onde está a água para lavar? De manhã não teve café quanto mais com pão. Nem batata porque a ele também não ocorre plantar. E com o passar das horas o estômago dói pela fome e acaba sem ânimo e a esta altura não vale dizer nem que “Deus veste os lírios dos campos e alimenta as aves do céu, quanto mais esquecerá dele”, porque também não é esta a lógica do Evangelho, Deus não nos substitui no que a nós compete fazer. Ele nos dotou de todo bem e nos concedeu toda graça, até fez do seu próprio Filho mártir, para nos resgatar da morte e do pecado, para que assumíssemos nossa humanidade e preservássemos nossa dignidade.

A nação que formamos deve ocupar um território demarcado onde falando a mesma língua nos entendamos. Dialoguemos e juntos busquemos soluções para os nossos problemas. Que “falemos a mesma língua”, no sentido de que sejam comuns os esforços de cada um para que o bem comum não se torne de uns poucos, para que não hajam tantas diferenças, para que as classes não se traduzam no binômio  miséria x abundância. Elas sirvam no máximo, para desigualar iguais enquanto esta desigualdade se traduza na harmonia que deve perpassar a coexistência não só social como humana, mas com os animais, com o ambiente, com todo o criado. 

Para tanto se recomenda ser civilizado, isto é, criar a civilização do amor.
E não se venha afirmar que o sobredito é utopia. Antes é a única estrada que nem os loucos erram atravessando por ela, rumo a terra prometida “onde corre leite e mel”.

Há soluções simples: Enquanto não gostarmos de ler para formular nossos próprios conceitos. Enquanto não pararmos para pensar e concluir o que acontece a nossa volta e acharmos que não me afeta, porque vou-me aborrecer, deixa isto par lá?  Enquanto não assumirmos a nossa cidadania que antecede a democracia, contribuiremos para a já  praticamente extrema degeneração dos valores, para a manutenção no poder de pessoas indignas, pela desvalorização do gênero humano, entre mais, pelo equívoco de ser o mesmo que sexo e criar qualificativos para impressionar falas, afastamos o raiar de um novo dia em que ao menos não seja necessário que “alguém seja menos rico para que tantos não sejam tão pobres”.


Marlusse Pestana Daher                                                                        Vitória, 17 de outubro de 2017  17:28

Fugindo da própria terra, da pátria, da terra de seus antepassados.