segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

O TREM DA MEIA-NOITE

Amaletras 1° lugar no Concurso Literário "Elza Cunha"
Edição 2017

        Era possível ouvir quando ele passava, sempre por volta da meia-noite.
Quando criança, Richard ficava acordado em sua cama até ouvir o apito, e imaginava como era o trem, para onde iria, que carga levava, e quem estaria a bordo. Durante o dia, ele ia brincar perto dos trilhos, mas nunca viu a locomotiva. O único horário em que ela passava era tarde demais para se estar por ali. "Um dia quero ficar ao lado da linha para vê-lo soltando fumaça", pensava. Mas acabava nunca indo. Apenas ouvia aquele som agudo, ao longe, na hora de dormir.
        Assim foi durante anos, até que o trem parou de apitar. Foi de repente, numa noite qualquer. O relógio marcou meia-noite, depois uma da manhã, duas, e nada. Ele simplesmente não passou pela cidade, e isso aconteceu nas noites seguintes. E então nunca mais...                                                                                                                                     
        Richard lamentou ter perdido a chance de ver o trem que sempre tivera papel importante em sua imaginação. Mas aos poucos ele foi esquecendo que um dia tinha ouvido os apitos. O menino cresceu, começou a trabalhar, casou, teve filhos, eles cresceram, teve netos, enviuvou...
        Na velhice, Richard passou a escutar cada vez menos. Tinha sempre que perguntar duas ou três vezes antes de responder a uma pergunta, o que irritava os menos pacientes. Sentia-se um velho triste e sem utilidade, cujas antigas histórias não interessavam a mais ninguém.
        E foi numa noite de nostalgia que, pouco antes de adormecer, ele o ouviu. Começou baixinho, muito distante, e então foi crescendo. O trem estava passando por lá outra vez.
        "Não é possível!", pensou.
        Depois de setenta anos a locomotiva estava novamente nos trilhos. O som ia ficando cada vez mais forte, e ele não quis mais esperar. Levantou-se da cama, calçou os chinelos e saiu de casa.  Caminhou até a linha de trem. Não havia ninguém na rua para estranhar um senhor da sua idade andando de pijamas. O apito ia ficando cada vez mais forte à medida que Richard se aproximava da linha de ferro... Até que eles se encontraram. Pela primeira vez Richard viu aquele enorme dragão de ferro vindo em sua direção, cantarolando e soltando fumaça pela chaminé. O trem foi diminuindo a velocidade e parou exatamente onde Richard esperava.
        - Viemos especialmente para buscá-lo, Richard - disse o maquinista.
        Convertido novamente em um menino, ele subiu os degraus da locomotiva.
        - Eu posso puxar a corda que faz apitar? - perguntou o garoto.
        Apesar de a ferrovia estar desativada há décadas, todos os moradores da cidade juravam que, na noite em que o velho Richard se foi, ouviram um animado apito de trem chegar aos seus ouvidos.


                                                  Marina Fecchio Rincon Caires de 17  anos. 
São Paulo - Capital.