Essas pessoas ainda
foram ver o quarto de Juca e disseram que o beliche tava 2 cm menor do que
devia. Nossa! Eu não sei como encompridar uma cama, só comprando outra, né Luís?
O candeeiro eles disseram que não podia acender no quarto, que tem que ser
luz elétrica, que eu tenho que ter um gerador pra ter luz boa no quarto do
Juca.
Disseram ainda que a
comida que a gente fazia e comia juntos tinha que fazer parte do salário
dele. Bom, Luís, tive que pedir ao Juca pra voltar pra casa, desempregado,
mas muito bem protegido pelos sindicatos, pelos fiscais e pelas leis. Mas eu
acho que não deu muito certo. Semana passada me disseram que ele foi preso na
cidade porque botou um chocolate no bolso no supermercado. Levaram ele pra
delegacia, bateram nele e não apareceu nem sindicato nem fiscal do trabalho
para acudi-lo.
Depois que o Juca saiu,
eu e Marina (lembra dela, né? Casei) tiramos o leite às 5 e meia, aí eu levo
o leite de carroça até a beira da estrada, onde o carro da cooperativa pega
todo dia, isso se não chover. Se chover, perco o leite e dou aos porcos, ou
melhor, eu dava, hoje eu jogo fora.
Os porcos eu não tenho
mais, pois veio outro homem e disse que a distância do chiqueiro para o
riacho não podia ser só 20 metros. Disse que eu tinha que derrubar tudo e só
fazer chiqueiro depois dos 30 metros de distância do rio, e ainda tinha que
fazer umas coisas pra proteger o rio, um tal de digestor. Achei que ele tava
certo e disse que ia fazer, mas só que eu sozinho ia demorar uns trinta dia
pra fazer, mesmo assim ele ainda me multou, e pra poder pagar eu tive que
vender os porcos, as madeiras e as telhas do chiqueiro, fiquei só com as
vacas. O promotor disse que desta vez, por esse crime, ele não vai mandar me
prender, mas me obrigou a dar 6 cestas básicas pro orfanato da cidade. Ô
Luís, aí quando vocês sujam o rio também pagam multa grande, né?
Agora pela água do meu
poço eu até posso pagar, mas tô preocupado com a água do rio. Aqui agora o
rio todo deve ser como o rio da capital, todo protegido, com mata ciliar dos
dois lados. As vacas agora não podem chegar no rio pra não sujar, nem fazer
erosão. Tudo vai ficar limpinho como os rios aí né?
Mas não é o povo da
cidade que suja o rio, né Luís? Quem será? Aqui no mato agora quem sujar tem
multa grande, e dá até prisão. Cortar árvore então, Nossa Senhora! Tinha uma
árvore grande ao lado de casa que murchou e tava morrendo, então resolvi
derrubá-la para aproveitar a madeira antes dela cair por cima da casa.
Fui no escritório daqui
pedir autorização, como não tinha ninguém, fui no IBAMA da capital, preenchi
uns papéis e voltei para esperar o fiscal vir fazer um laudo, para ver se
depois podia autorizar. Passaram 8 meses e ninguém apareceu pra fazer o tal
laudo, aí eu vi que o pau ia cair em cima da casa e derrubei. Pronto! No
outro dia chegou o fiscal e me multou. Já recebi uma intimação do Promotor
porque virei criminoso reincidente. Primeiro foram os porcos, e agora foi o
pau. Acho que desta vez vou ficar preso.
Tô preocupado, Luís,
pois no rádio deu que a nova lei vai dá multa de 500 a 20 mil reais por
hectare e por dia. Calculei que se eu for multado eu perco o sítio numa
semana. Então é melhor vender e ir morar onde todo mundo cuida da ecologia.
Vou para a cidade, aí tem luz, carro, comida, rio limpo. Olha, não quero
fazer nada errado, só falei dessas coisas porque tenho certeza que a lei é
pra todos.
Eu vou morar aí com
vocês, Luís. Mas fique tranquilo, vou usar o dinheiro da venda do sítio
primeiro pra comprar essa tal de geladeira. Aqui no sitio eu tenho que pegar
tudo na roça. Primeiro a gente planta, cultiva, limpa e só depois colhe pra
levar pra casa. Aí é bom que vocês é só abrir a geladeira que tem tudo. Nem
dá trabalho, nem plantar, nem cuidar de galinha, nem porco, nem vaca, é só
abrir a geladeira que a comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem precisá de
nós, os criminosos aqui da roça.
Até mais Luis.
Ah, desculpe, Luís, não
pude mandar a carta com papel reciclado, pois não existe por aqui, mas me
aguarde até eu vender o sítio.
Todos os fatos e
situações de multas e exigências são baseados em dados verdadeiros. A sátira
não visa a atenuar responsabilidades, mas alertar o quanto o tratamento
ambiental é desigual e discricionário entre o meio rural e o meio urbano.
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sexta-feira, 17 de maio de 2013
NÃO DEIXE DE LER
Carta do Zé a Luís.
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