Amyra El Khalili é economista,
professora e conferencista.
professora e conferencista.
Deixei uma parte de mim no estado do Acre quando
coloquei sobre o ombro do grande líder indígena Ninawá Huni Kuin um Keffiyeh (lenço
beduíno) durante a conferência que proferi à convite do Conselho Indigenista
Missionário (CIMI) na Universidade Federal do Acre.
Símbolo da
luta contra a ocupação dos territórios palestinos, o Keffiyeh tornou-se
indumentária de ativistas solidários à causa palestina em todo o mundo. Para o
povo palestino, o Keffiyeh representa o
começo e o fim. O tudo e o nada. É manifesto aberto dos que não aceitam a
infame paz dos túmulos.
Nossos
mártires são velados e enterrados envoltos no Keffiyeh. O Keffiyeh para Ninawá
Huni Kuin foi presente da Fearab-Brasil (Federação da Entidades Árabes
Brasileiras) dado por intermédio do Dr. Eduardo Felício Elias, e da FEPAL
(Federação das Entidades Palestino-Brasileiras), pelas mãos de Emir Mourad, com
o apoio do Dr. Alem Garcia, Presidente da Fearab Uruguai (Federação das
Entidades Árabes Uruguaias), entregue por esta beduína palestino-brasileira em
agradecimento pela solidariedade dos Povos Indígenas no VI Fórum Social
Pan-Amazônico 2012 (Cobija, Bolívia) (1) e Fórum Social Mundial 2013 (Túnis,
Tunísia) (2) (3), além de tantas outras manifestações em apoio a nossa justa
causa.
Nesta
ocasião, presenteamos também com o Keffiyeh os companheiros Lindomar
Padilha e o Prof. Elder Andrade de Paula por estarem à frente do bom combate e
registramos nosso respeito e admiração pela trajetória de Dercy Teles de
Carvalho, primeira mulher a assumir a presidência
de um Sindicato de Trabalhadores Rurais no Estado do Acre e uma das primeiras
também no Brasil.
NAKBA
indígena
Expulsos de
seus territórios e massacrados há 513 anos neste continente, os indígenas são o
exemplo da resistência e da sabedoria nos cuidados com o ambiente e, mesmo
espoliados de suas terras, ainda encontram forças para se solidarizarem com o
povo palestino, vítimas da Nakba (tragédia da ocupação) há 65 anos.
Na
conferência proferida, contei como funciona na prática a engrenagem da “financeirização da natureza e espoliação dos
territórios indígenas e camponeses na Amazônia".
Falei da
origem do mercado de carbono desde o seu real motivador militar, o “Conselho da
Bolha”, na década de 60. Analisei a formação do comércio de emissões a partir
da década de 70 (4), posteriormente na Eco92, o Protocolo de Kyoto (1997), e
segui traçando paralelo sobre quanto custam as guerras para os povos do Oriente
Médio e as “semelhanças” entre o que ocorre lá
com o que vem ocorrendo cá.
Falei do que
representa a territorialidade, da relação da água como um ente vivo para os
povos do deserto e de sua importância para a sobrevivência de todos seres do
planeta, seja pelo aspecto espiritual quanto pelo valor econômico; da
fundamental importância para quem quiser compreender a luta entre conceitos
ligados ao neoliberalismo e às forças populares emancipatórias, sobretudo na
Amazônia, região em que os gatos são pardos.
Atravessamos
o deserto cantando e dançando em caravana beduíno-indígena e chegamos nas
florestas tropicais contando “causos” enquanto perdidos ficam vagando na
superfície sem chegar a lugar nenhum ao defenderem como solução para a crise
ambiental as tais geringonças financeiras como o REDD, REDD+, PSA , RCEs, PSE,
MDL, Créditos de Compensação, Créditos de Carbono, Créditos de Efluentes,
etcetera, etcetera e etcetera... (5)
Há tempos,
venho alertando que isso tudo é uma coisa só. Porém, os que pretendem confundir
querem nos fazer crer que cada uma destas siglas são coisas diferentes e, desta
forma, tentam justificar o injustificável, ou seja, que o mercado financeiro
resolve tudo pelas vias do próprio mercado. O mercado financeiro se autorregula
e será capaz de combater com eficiência os males que afetam o ambiente.
Se querem
provocar convulsões sociais com suas doutrinas neoliberais para implantar o
neocolonialismo do carbono como “experimento” (experiências aprendidas?) usando
os povos das florestas como cobaias, temos que parabenizá-los, pois, neste
intento, estão alcançando com sucesso seus objetivos. Estamos testemunhando
violentos conflitos no seio das florestas e nos campos ao levantarmos vozes
contra a usurpação de terras, rapinagem dos bens comuns e desrespeito aos
direitos humanos viabilizados por reformas legislativas como tem denunciado o
CIMI (6) (7).
O que
acontece no Oriente Médio, para incautos, nunca acontecerá neste lado do Sul
Global. E os palestinos, somos os terroristas, radicais e fundamentalistas por
estarmos deste lado de cá, alertando para mais um assalto de atores que
conhecemos muito bem, os responsáveis com “nome e sobrenome” deste crime
lesa-humanidade, de que essa estratégia contra as nações indígenas e demais
povos das florestas é aquela idêntica que tem exterminado milhares e milhares
de palestinos, iraquianos, afegãos, libaneses, sírios, africanos entre outros
“parentes”. Diz o provérbio beduíno: “No deserto a verdade é a melhor
camuflagem, porque ninguém acredita nela!”
Foi neste
“Abril Indígena 2013”, em ritual de pajelança e intifada indígena** que o
guerreiro Ninawá Huni Kuin, sua família, seu povo, companheiros e parentes (os
do lado de cá) receberam a proteção espiritual (Keffiyeh) do povo
beduíno (os do lado de lá) sob a mira atenta do mundo, assim como foi a
trajetória - o começo e o fim - daquele que tombou em defesa da Amazônia, o
mártir palestino Chico Mendes.
Não iremos embora
Tawfic Zayyad
Aqui
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Em vossas goelas
Como cacos de vidro
Imperturbáveis
E em vossos olhos
Como uma tempestade de fogo
Aqui
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Em lavar os pratos em vossas casas
Em encher os copos dos senhores
Em esfregar os ladrilhos das cozinhas pretas
Para arrancar
A comida de nossos filhos
De vossas presas azuis
Aqui sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Famintos
Nus
Provocadores
Declamando poemas
Somos os guardiões da sombra
Das laranjeiras e das oliveiras
Semeamos as ideias como o fermento na massa
Nossos nervos são de gelo
Mas nossos corações vomitam fogo
Quando tivermos sede
Espremeremos as pedras
E comeremos terra
Quando estivermos famintos
Mas não iremos embora
E não seremos avarentos com nosso sangue
Aqui
Temos um passado
E um presente
Aqui
Está nosso futuro
Aqui
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Em vossas goelas
Como cacos de vidro
Imperturbáveis
E em vossos olhos
Como uma tempestade de fogo
Aqui
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Em lavar os pratos em vossas casas
Em encher os copos dos senhores
Em esfregar os ladrilhos das cozinhas pretas
Para arrancar
A comida de nossos filhos
De vossas presas azuis
Aqui sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Famintos
Nus
Provocadores
Declamando poemas
Somos os guardiões da sombra
Das laranjeiras e das oliveiras
Semeamos as ideias como o fermento na massa
Nossos nervos são de gelo
Mas nossos corações vomitam fogo
Quando tivermos sede
Espremeremos as pedras
E comeremos terra
Quando estivermos famintos
Mas não iremos embora
E não seremos avarentos com nosso sangue
Aqui
Temos um passado
E um presente
Aqui
Está nosso futuro
Notas:
Conferência proferida no dia 12 de abril, às 19
horas, no Anfiteatro Garibaldi Brasil, da Universidade Federal do Acre, na
agenda “ Abril Indígena 2013” organizado pelo Conselho Indigenista Missionário
(CIMI), Federação do Povo Huni Kuin do Acre (FEPHAC), Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Xapuri (STTR- Xapuri), Conselho de Missão entre Índios
(COMIN) e o Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia
Ocidental da Universidade Federal do Acre (NUPESDAO/UFAC), com a participação
dos debatedores Ninawá Huni Kuin ( Presidente da FEPHAC ), Dercy Teles
de Carvalho (Presidente do STTR Xapuri), Lindomar Padilha ( CIMI) e Prof. Elder Andrade de Paula (CFCH/UFAC).
Keffiyeh é o nome dado ao pano usado na cabeça pelos homens no Médio Oriente,
tipicamente branco e preto pelos beduínos, branco e vermelho pelos habitantes
da Jordânia (geralmente possui cordões de algodão) e da Arábia Saudita, e
branco imaculado pelos homens das cidades. O keffiyeh, também grafado kaffiyah,
keffiya, kaffiya ou ainda kufiya, é associado ao movimento
nacionalista palestiniano desde a Revolta Árabe (1916-1918) até mais
recentemente, devido à sua adoção pelo ex-líder palestiniano Yasser Arafat http://pt.wikipedia.org/wiki/Keffiyeh
Intifada é um termo que pode ser traduzido como "revolta" . É
freqüentemente empregado para designar uma insurreição contra um regime
opressor ou um inimigo estrangeiro, mas tem sido especialmente utilizado para
designar dois fortes movimentos da população civil da palestina contra a
presença israelense nos territórios ocupados e em certas áreas teoricamente
devolvidas à Autoridade Palestina (Faixa de Gaza e Cisjordânia). http://pt.wikipedia.org/wiki/Intifada
Tawfic Zayyad, palestino de Nazaré, é
considerado um pioneiro da poesia de resistência. A maior parte de sua obra foi
escrita na prisão.
Amyra El Khalili é autora do e-book
"Commodities Ambientais em Missão de Paz: Novo Modelo Econômico para a
América Latina e o Caribe". São Paulo: Nova Consciência, 2009. 271 p.
Acesse gratuitamente www.amyra.lachatre.org.br