Regina Ruth Rincon Caires
2° Lugar - Prosa
Arroz,
feijão, mexido de ovo e farofa de torresmo.
E,
comprometidos com esses amores, cada um de nós escolhia a parte mais amada para
iniciar a refeição. Quase sempre a sequência lógica prevalecia: mãe, pai, avó e
avô. Raras vezes essa harmonia era quebrada, e quando isso acontecia nem
precisava investigar: havia uma surra atrelada a isso. Uma surra dada ou uma
surra prometida. Se bem que isso era muito particular. Se havia alguma
inversão, ninguém comentava. Acontecia dentro das cabecinhas. Sei que acontecia
isso porque inverti algumas vezes.
Enquanto
comíamos, a avó, de longe, sempre atarefada com a lida da casa, cautelosamente
controlava a nossa alimentação. Era comum ouvir: Quem já comeu uma parte? Didi, você está sem fome? Lúcia, a comida não está
boa? Faltou sal?
Ela
sabia que a comida estava sempre boa. Nunca faltou sal e nem sobrou. Nunca
errou a mão em nada. Ali estava o amor mais saboroso que uma criança poderia
receber. Era uma cumplicidade de afetos tamanha que espantava qualquer
insegurança, qualquer medo, qualquer tristeza. Era um porto seguro.
Com
o passar do tempo, fui percebendo que naquela divisão faltavam partes. Havia
mais dois amores a serem colocados ali, no meu prato. Meu irmão e minha irmã.
Então,
sem alarde, comecei a repartir as porções do pai e da mãe, de modo a serem
quatro. Ali estavam os dois que faltavam. E eu ficava feliz assim...
Fiz
isso por algum tempo sem ser notada. Quero dizer, pensando não ser notada.
Imagina se isso seria possível! Nada escapava da tenência sempre zelosa da avó.
E um dia, enquanto eu multiplicava as minhas divisões, ela aproximou-se de
mansinho e, com aquele olhar que jorrava ternura, me disse: Existem outros amores, não é mesmo, menina?!
Depois
do susto, sentindo o afluxo do sangue ruborizando o meu rosto por perceber que
ela havia descoberto o meu feito, e não querendo que ela se sentisse afrontada
pela minha iniciativa, prontamente coloquei-me de pé. E ela, no intuito de me
tranquilizar, passou as mãos pelos meus cabelos e, com a maior serenidade do
mundo, me disse: Ao
longo da vida, minha neta, você irá encontrar muitos amores. Alguns serão
somados, outros nascerão... Serão
tantos, mas tantos, que não caberão nem no maior prato do mundo!
E ela
estava com a razão...
RIVÂNIA
Elton
Romero
3° lugar - Prosa
No país em que querem nos impingir como heróis as
pessoas reclusas dentro de uma casa disputando “reality show”, é natural que
não se dê o merecido destaque para quem realmente mereça assim ser chamado. Basta
acompanharmos as notícias dos telejornais ou buscarmos as matérias de capa dos
veículos de comunicação impressos. Deparamos com manchetes, textos e fotos
deprimentes, afinal, miséria e violência ajudam a vender.
Um dia, porém, foi diferente, e despertou minha
atenção. Uma imagem captada de um grande infortúnio mostrava uma linda história
no meio de tamanha desgraça. Sentada em um barco e fugindo da enchente, uma
menina de oito anos abraçava e salvava seus livros escolares, por ser, na
pobreza em que vive, o seu único bem. Vivenciando um momento de desconforto
sabia ela que o tesouro que protegia era o seu passaporte para um futuro mais
digno.
Rivânia é o nome da garota.
Brasileirinha de Pernambuco, é muito pobre, tem os braços mirrados, um sorriso
bonito, mora em um local constantemente açoitado por adversidades, mas nada
disso impede sua ânsia de aprender. E com sua atitude a pequenina ensinou muita
gente grande, despertou solidariedade, provou que nas desgraças também é
possível enxergarmos grandezas. Aqueles bracinhos guardaram o seu patrimônio
com tamanha devoção, que certamente o cofre forte de uma agência bancária não
ofereceria maior segurança.
Nunca mais deixei de pensar na valentia
de Rivânia.
Já se passaram meses e nada mais se
falou. Na matéria da época algumas pessoas se propuseram a ajuda-la de alguma
forma, uns pela comoção, outros por esperteza ou interesse político. A única
verdade que temos é que no próximo ano, ou ainda neste, a cena se repetirá. Já
virou rotina na vida daqueles desassistidos. Ainda veremos por muitos anos
novas enchentes, novas promessas, novas tristezas, novas emoções e comoções.
Enquanto alguns pregam mudanças através
de revoluções que nunca acontecerão, resta-nos a esperança de que, futuramente,
a menina ribeirinha se torne uma profissional altamente capacitada, e ajude,
dentro da área escolhida como profissão, a minimizar os tormentos do seu povo
sofrido. Na sua inocência mostrou a todos que revolução deve ser feita com
livros para mudar as pessoas, jamais com armas para mudar regimes de governo.
Agora é torcer para que um imenso
contingente de brasileiros a imite e faça cada um, a sua revolução pacífica,
sem gritos de ordem, mas com muitas palavras escritas.
AMALETRAS
CONCURSO LITERÁRIO "ELZA CUNHA" - EDIÇÃO 2017